220km de pensamento


A estrada de quem vê passar é longa, solitária e informa muita coisa. A podridão dos bichos que morreram na estrada lembra que temos circulado pouco, mas quando o fazemos sempre estamos na briga com o tempo, correndo contra ele/com ele/para ele, não sei, não sei bem o que faz as pessoas correrem tanto. Estamos numa era da velocidade, dos avanços tecnológicos, eu sei, mas que tanto avanço é esse que não se direciona para todas as direções, talvez seja melhor assim, pois esse avanço fala de coisas, precisamos dessas coisas? O avanço fede igual aos bichos...a diferença é que os bichos passaram pela vida vivendo..e essa pressa que nos marca nos mata antes de viver, como uma lagartinha que tem o casulo rasgado antes de voar. De uma cidade a outra fui observando sem olhar relógio, sem pressa e buscando aprender com a natureza. Sem pressa a flor nasce bem no meio do buraco do asfalto. Sem pressa a vaquinha atravessa em direção ao seu bezerrinho. As cabras deixam para trás seu cheiro de mato misturado com outras coisas e pouco ligam para esses seres apressados dentro de máquinas velozes que mal sabem o cheiro gostoso que estão perdendo ao fecharem as janelas de seus automotores estranhos que por vezes matam aqueles que não interferem na paz e na tranquilidade. Quem não acompanha a lógica de velocidade, fica para trás, muitas vezes morto, ou esquecido, invisível...assim temos sido desde, desde. Mas que inteligência é essa?

As cabras, vacas, raposas, cavalos devem nos ver e em sua irracionalidade, “pensar”: a racionalidade é uma tremenda roubada. Pena não saberem falar para nos ensinar a beleza de viver sem pressa, sorte não saberem falar, por que se soubessem seriam um destes apressadinhos que morre antes de viver, correndo para viver muito se emplastificando de remédios, cosméticos, cirurgias e etc para encontrar a eternidade. Somos mesmo um paradoxo...

Enquanto os pensamentos me atravessavam como se não fossem meus, olhava o horizonte pleno, pacífico e vagaroso. O sol se punha tão devagar e beijava cada palha das carnaubeiras, uma a uma ía ficando na sombra após o beijo ensolarado. Lembrei do mestre Carnaúba que morreu defendendo os seus, e de que a morte pode ser só o começo de uma linda trajetória. As carnaubeiras, filhas da luta esperam o beijo de seu amado, calma e solitariamente. Por que pressa? As coisas não acontecem mais rápido por que nós estamos correndo...elas simplesmente “passam” mais rápido. As carnaubeiras sabem que não precisam correr, pois caso pudessem perderiam o banho de luz do final do dia.

Vai mais devagar, pedi eu ao carro...quero eu também ganhar um pouco de luz, mas o Sol já tinha se deitado, nosso momento ficou lá atrás quando passamos rápido demais.


Comentários

  1. Viajando na companhia do tempo, meninas...

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  2. Que bonitas e tristes suas constatações,Dê. Hoje passei o dia correndo: afagada nos trabalhos que pedem vida e devolvem papel moeda. Para que tanta velocidade e avanço se não conseguimos olhar o por do sol? 😔 O mundo avançou às avessas.

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  3. Tenho ficado pra trás,com insuspeito prazer...

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(Saber o que o outro pensa, faz diferença...)