TRATADINHO DAS PEQUENINAS SAUDADES

 

O tamanho de uma saudade não se mede com medidas padrão. Não é com a escala métrica convencional, não é por tempo contabilizável, ou quantificação precisa de qualquer natureza. Para se medir uma saudade a equação mais certeira não é uma unanimidade, aliás é uma grandessíssima individualidade. O tamanho de uma saudade é uma variável interveniente, aleatória, quantitativa, qualitativa?

Afirmo: o tamanho de uma saudade é um mistério flutuante.

Uma pequenina saudade, devo esclarecer, é aquela das coisas banais, corriqueiras.  É da ordem do trivial, a gente nem lembra direito (mas quando o faz...). –Lembrou de Proust (O tempo redescoberto)? Sim, uma pequenina saudade é uma breve anacronia no correr do dia.

Afirmo: sendo o tempo relativo, breve é um impositivo outorgante.

Na casa da minha avó havia uma gamela de fazer rosca; uma bacia esmaltada, verde musgo, já furada, que era usada como escorredor de arroz; um pequeno caldeirão, todo encrostado, para frituras. Quando conto isso ouço o barulho da madeira da pedra da pia, vejo a água esbranquiçada escorrendo no ralo, sinto o cheiro da banana frita. É fugaz, simples e sem nenhuma particularidade que torne isso especial, exceto para mim. Por um momento estou naquela cozinha e é o bastante.

Desconfio: a memória do cotidiano são fragmentos achados no instante.

Uma lista quase infinita das mais variadas pequeninas saudades poderia ser feita (e modificada muitas vezes também) mas qual o sentido de listar coisas? Uma ordenação, categorização, organização. Como é possível fazer isso com algo que só existe no momento em que se apresenta? Deixemos de listas e tratados. Saudade é o pirulito do Zorro, que nem existe mais, e a gente ainda sente o gosto grudado nos dentes.

A gente todo é uma saudade itinerante.