A vida está num mergulho

O nome da rua era Angústia. Nº zero poesia. Condomínio dos Fantasmas. Esse lugar era muito bem frequentado. Lá ficava a elite da sociedade e não cabia ali espaço para os que defeituosamente gostam de sonhar e conversar amenidades. O silêncio era ensurdecedor. Na faixada cinza escuro havia uma plaquinha dizendo: “não perturbe”. Quem haveria de perturbar quem? Afinal ninguém ali trocava coisa alguma.

No primeiro andar morava Sra. Estrutura. Sempre muito segura de tudo achava-se a detentora do controle. Ficava soterrada acreditando que firmar o prédio era sua única missão. Logo acima dela, morava Sr. Jurídico que se agarrava às leis e para ele tudo se resumia aquilo, artigos, incisos e parágrafos. A vida era aquilo mesmo dentro dos códigos penais, civis e blá, blá, blá. Seu vizinho não era muito melhor que isso. Era o Sr. Político. Homem arrogante que acreditava ter todos em suas mãos. Negociava com o vizinho do lado tão desonesto quanto ele. O Sr. Padre que dizia ter um ser poderoso a seu lado, vez por outra estes dois uniam-se ao vizinho de cima quando era necessário derrubar alguém. Sr. Banqueiro era terrível. Só recebia ao Padre e ao Político por que estes tinham contas gordas e lhe faziam lucrar muito. Cada apartamento em seu tom cinza maior ou menor carregava consigo a dor de não ter trocas verdadeiramente prazerosas. Todos sustentados pelo que o vizinho do próximo andar tinha a lhes oferecer. O Sr. Dinheiro, ah este pintava e bordava com os demais que acreditavam que ao tê-lo tinham tudo. Na cobertura do Condomínio dos fantasmas estava José...que sustentado por todos esses abaixo dele sentiu que precisava fazer algo para dar cor ao condomínio e jogando-se de lá tingiu o chão de vermelho, atravessando o chão caiu num outro condomínio.

Achou o que buscava: o nome da rua em que caiu era Alucinação. Não conseguia saber em que condomínio entrar por que todos eles o chamavam para fazer parte. Tinha o Condomínio Torto que ao falar com o síndico descobriu que todas as ideias ali começavam de trás para frente. Achou divertido, mas teve medo, ainda estava com a cabeça muito cinza. Entrou no Condomínio de Brinquedo e lá o síndico era um menino de oito anos e com sua vida cinza achou que não conseguiria brincar o dia todo. Bem em frente tinha o Castelo da Fantasia, este era tão colorido que doía nos olhos, mas ainda assim, sua vidinha encurtada não queria que ele perdesse os pés do chão. Ele queria algo entre a loucura e a realidade, entre o ser e o estar, entre o real e o imaginado, ele queria algo que subvertesse essa ordem árida e tão sistematicamente financeira. Ele queria mais que coisas e mercadorias. Tudo bem se precisasse comprar alguma coisa, mas esta teria de ser algo que nascesse do seu desejo e não plantada nele pela Sra. Mídia. Ele queria espaço para ser e abrir-se à vida com todas as suas cores e possiblidades e enquanto caminhava pela Alucinação deparou-se com um lugar pequeno que ficava mudando de cor. Diferente dos demais não era um prédio, parecia mais um grande galpão. O nome do lugar era VidARTE. Curioso, José ali entrou e deparou-se com algo incrível. As pessoas vestiam aquilo que lhes fosse aprazível, comiam o que produziam e o quanto desejassem, riam e ouviam música dos mais diferentes gêneros. O jardim era o lugar mais bonito, bancos, flores, e um verde que invadiam os olhos de José o convenceram a ficar, ainda que se visse muito cinza. Não conseguia parar em nenhum dos barzinhos por que em cada cafezinho a conversa ía dos pré-socráticos aos dias atuais...como se esse tempo que separa a velha filosofia dos dias de hoje não existisse. Era como se ele pudesse falar de ideias tortas sem o Sr. político lhe dizendo que isso é crime, era como se ele pudesse pensar e esse pensamento pudesse ser só uma ideia, era como se o dinheiro fosse uma coisa, que é trocada e não troço precioso que compra pessoas. Sentiu o cheiro de café torrado e viu ali no meio do jardim Carolina de Jesus, conversando com Chico Buarque e ele lhe dizia: “eu avisei que apesar deles, haveria um novo dia”. Chico servia Carol de um delicioso café. Logo mais à esquerda Pichinguinha que o olhava dizendo como “seu coração batia feliz em vê-lo ali”. José não acreditava naquilo: Renato Russo trocando ideia com Raul Seixas que tomando um trago dizia para o candango “amor só dura em liberdade”. José sentou-se sozinho pra respirar e tentar lidar com tudo aquilo que nunca imaginou acontecer depois de seu mergulho e ainda tentando aceitar os fatos viu Sócrates cercado de gente, sentado num banquinho de madeira. Teve certeza de que havia morrido e tinha de voltar para contar aos demais o quanto era bom morrer. Ao pensar isso olhou para Sócrates que apenas com um olhar o convenceu a desistir da ideia de contar a novidade aos demais. Mas se ele havia morrido, Chico Buarque também? E todos os outros que ele estava vendo ali? Caetano, Gal, Gil...toda essa gente boa estava morta? Ele teria ficado tanto tempo no mundo cinza que não viu a vida passar? Precisava de explicações. Foi salvo por Moa do Katendê que se aproximando disse: calma filho, o mundo real é esse aqui. O que você teve foi um pesadelo. Isso aconteceu como um aviso, filho. Nunca mais troque sua arte/vida por dinheiro.


Comentários

  1. Viajei foi longe agora...

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  2. Adorei as imagens... imaginei esse seu conto em um livro infantil. Já pensou?!

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  3. Às crianças iriam dizer: o bagulho é louco... rsrsrsr ..

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(Saber o que o outro pensa, faz diferença...)