Traição

Isabelle tinha certeza de que amava Carlos. Em duas semanas, faria 3 anos que eles foram morar juntos. Mas, nesse último mês, a cabeça de Isabelle andava tomada por Josué. Quando havia uma brecha entre um paciente e outro da clínica onde era atendente, sua imaginação voltava a ele. Pegava-se pensando na cor de seus olhos, em qual seria sua comida favorita, em como ele reagiria a determinada situação, enfim, estava, sem dúvida, apaixonada.

Foi só em torno da segunda semana que Carlos deu-se conta pela primeira vez que Isabelle estava diferente. Uma noite, enquanto assistiam juntos um seriado, perguntou algo a ela e não obteve resposta. Isabelle sequer ouviu o que ele falou. Possivelmente, não estava prestando atenção nem a ele, nem a televisão. Desistiu da pergunta, mas não conseguiu impedir que a pulga do ciúme se instalasse atrás de sua orelha.

A pulga o fez atento. No dia seguinte, reparou que Isabelle agora demorava quinze ou vinte minutos a mais na cozinha após o término do jantar. Encurralado entre o desejo de saber o que se passava e medo de encontrar o pior, esgueirou-se atrás da porta e descobriu-a sentada à pequena mesa próxima à pia escrevendo no celular. De imediato, se arrependeu de tê-la incentivado a comprar um modelo de telefone que só destravava com a digital. Respirou fundo buscando se acalmar e achar outras explicações para o que estava acontecendo. Mesmo não tendo achado, concluiu que era necessário investigar as coisas melhor para não meter os pés pelas mãos.

Pela manhã, notou que Isabelle estava mais feliz, mais radiante e que parecia até mais bonita. Carregava um sorriso que o fez lembrar de quando começaram o namoro. A essa altura a pulga já havia crescido tanto que ocupava não só a traseira de sua orelha, mas sua visão e olfato. Será que Isabelle passou mais perfume hoje?

Carlos foi trabalhar inundado em sua angústia. Não se concentrava em nada. Perdera até a fome. Não espanta que, naquela noite, tenha arranjado um motivo qualquer para brigar com Isabelle. Algo tão minúsculo como ela ter feito suco de laranja ao invés de maracujá. Isabelle relevou, atribuiu a cena ao estresse na empresa e, para evitar novos atritos desnecessários foi dormir mais cedo.

Quando Carlos foi se deitar, quase às duas da madrugada, Isabelle já dormia pesado. E, a gota d’água para transformar a pulga em um elefante foi ele ouvi-la dizer, em meio a um sonho, ‘Josué’. Pensou em sacudi-la e esclarecer tudo de uma vez por todas. Saiu do quarto, esmurrou as almofadas do sofá e, finalmente, decidiu que iria pegá-la em flagrante. Assim, não só ela não poderia inventar uma desculpa, como seria uma oportunidade de humilhá-la, além dele ter a chance de bater no desgraçado do amante.

Bolou um plano para conseguir o dia de folga do trabalho e antes de Isabelle acordar ele já tinha saído em direção ao consultório de seu médico para conseguir um atestado. Não foi difícil convencer o médico que ele não estava bem. Sua pressão estava alta, seus olhos vermelhos e seu discurso era entrecortado e confuso.  Passou na empresa e deixou o atestado de dois dias com a secretaria do RH. De lá seguiu para a porta da clínica onde Isabelle trabalhava. Sua ideia era que, em algum momento, entre aquele local e a casa, ela o traia. Se o tal Josué fosse um funcionário, eles, certamente, almoçariam juntos no restaurante de comida no peso colado ao prédio. Se fosse alguém de fora da clínica, Isabelle precisaria encontrá-lo antes de retornar ao apartamento. Talvez a vadia saísse mais cedo.

Carlos ficou de vigia o dia inteiro. Em determinado momento, chegou a subir no andar em que Isabelle atendia os clientes, mas não viu nada de anormal. Para o almoço, ela desceu com a colega que auxiliava o doutor Facó e ninguém mais se juntou a elas. Às cinco da tarde, quando ela pegou a moto para ir embora, ele entrou no carro e seguiu-a de longe. Ficou frustrado ao perceber que ela rumou direto para casa. Viu-a entrar no edifício e resolveu que iria até o bar na esquina tomar um whisky para clarear as ideias. Antes mesmo de chegar lá, Carlos já tinha se convencido que Isabelle talvez não visse Josué diariamente. Ou mesmo que, por uma infeliz coincidência, o sujeitinho tivesse tido algum imprevisto justamente naquele dia.

Três doses de whisky e seis cigarros depois – Carlos havia parado de fumar a dois anos e meio. Bem, não mais, obviamente! – ele dirigiu-se para casa resolvido a dar um fim a tudo aquilo. Se não era possível espancar o infeliz, ainda lhe restava jogar na cara de Isabelle que ela era uma vagabunda safada.

Abriu a porta do apartamento e avistou Isabelle sorridente com um fone de ouvido, uma xícara de chá e olhos fixos na tela do computador. Tudo se encaixou. Não tendo podido ver o amante pessoalmente, aproveitou a ausência de Carlos para estar com ele em uma vídeo-chamada. Soube que, se tivesse demorado alguns minutos a mais, pegaria Isabelle nua, mostrando seu corpo como uma prostituta para um homem qualquer.  

Batendo a porta de entrada, gritou: “Sua imunda, filha da puta!” Isabelle atordoada retirou rapidamente o fone de ouvido e sem entender nada, quis questionar o que estava havendo. Não foi possível. Carlos berrava xingamentos sem parar ao passo que se aproximava de onde ela estava na sala. Os gritos só pararam quando ele se deparou com a tela do notebook repleta de palavras ao invés da imagem de um homem do outro lado. O choque de ter errado aquela parte da história, contudo, não destruía sua veracidade. Levantou a voz novamente e desafiando Isabelle com um olhar de ódio, lançou sua cartada: “Quem é esse Josué?”

Isabelle, cega por tantas lágrimas, arrasada e sem forças para falar, limitou-se a entregar o computador nas mãos de Carlos.

Enquanto Isabelle arrumava suas malas para nunca mais voltar, Carlos lia, devastado, um conto inacabado, cuja dedicatória dizia: “Para Carlos, meu grande amor e minha inspiração para este conto sobre a beleza do amor”.


Comentários

  1. Meninas, o bicho 'escrevinhador' me atacou de novo!

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  2. A senhora agora deu em criar suspense. Daqui a pouco vai escrever novelas. Adorei a angústia. Sofri até o fim. Jurava que ela estava grávida.

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  3. Eis q a veia da ficção resolveu se impor, adorando!

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