Uma rebelião necessária

Uma rebelião necessária

Era uma vez um reino...um reino empobrecido pela dualidade das coisas. Tudo tinha seu imperfeito oposto. A flor tinha seu florindo que por vezes sugava suas forças. A Terra tinha seu terreiro que não lhe causava encantamento e dependia dela pra tudo. O Sol tinha sua solara que era um de seus braços. A Lua tinha seu Luiz que era um de seus raios de luz. O Armário tinha sua arma sempre apontada para si mesma. A Boca tinha seu bocudo que falava demais e pouco ouvia. Os Cabelos se sentiam obrigados a ter a cabeleira ainda que o desejo fosse de ser curtinho às vezes. Os Olhos estavam cansados de ter a visão, queriam poder fechar-se de vez em quando e ouvir o canto dos pássaros. Os Pés já não suportavam mais ter a caminhada ao seu lado por que se sentiam obrigados a caminhar ainda que quisessem dormir. A Vida sofria horrores ao lado do vício que a afundava com ele.

Um dia...houve uma revolta no céu. Contam por aí que tudo começou com a Lua que não aguentava as bebedeiras de Luiz que se alimentava da luz dela e foi se queixar com Sol que já estava agoniado em ser casado com uma de suas ramificações por que sua família de estrelas assim o obrigara. Então os dois se uniram e num ato de rebeldia, o Sol deu cobertura à Lua para que esta fosse encontrar seu grande amor que era a Terra. Essas duas fêmeas se amavam desde que o tempo começou. Nunca lhes fora permitido ficarem juntas. Quilômetros de distância as separavam, mas a geografia não esfria algo que foi feito para borboletear.

Naquela noite, em que o Sol deitou mais tarde para que a Lua pudesse viajar até a Terra, elas puderam se amar. Trocaram as carícias que só as grandes amantes poderiam trocar. Contaram seus sonhos de futuro. A Terra vinha sendo atacada por seres humanos e estava armando uma vingança. Contou tudo para a amante. A Lua por sua vez lhe segredou que nunca fora visitada, apesar do que dizem por aí. Sabendo que seria o único momento de suas vidas juntas, pois o estender do dia traz sérios problemas para a Terra, elas garantiram que pudessem estar juntas para sempre produzindo um filhote de luaterra.

Este que veio do útero da Terra e do coração da Lua seria um ser não binário, não otário, não minimalista, não redutor de belezas, e teria a firmeza do chão que a Terra nos dá, e a delicadeza da luz da Lua que ilumina sem encandear. Para sobreviver e possibilitar a esse mundo a riqueza da diversidade ele teria de vir disfarçado de humano e assim suas mães o vestiram de Rodrigo que é um brilho precioso que só os reis gloriosos tem e que os fazem parecer comuns para que assim possam trabalhar como um verdadeiro líder. Sem pompas, sem trono, sem glamour. Desde que o menino terralua-luaterra nascera, sua mãe Terra pode receber ao final do dia na época certa, um beijinho da Lua Cheia; O Sol seguiu solitário, como era do seu desejo e manifestava sua gratidão com o arco-íris de quando em vez; a Flor assumiu seu relacionamento com a Abelha; o Armário se abriu e sua arma enferrujou com a ação do vento que soprava das narinas do menino rei; a Boca se entendeu com a Língua que vivia calada por causa de seu bocudo falando demais, agora as duas dominavam vários idiomas; os Cabelos ficaram felizes em se casar com o Barbeiro que fazia tudo que eles queriam; os Olhos, ah..esses ficaram maravilhados com o que pode ser visto quando eles se fechavam nos momentos de silêncio, então resolveram seguir juntos Olho por Olho, o casamento entre irmãos foi permitido; os Pés se casaram com a Relva molhada e deixaram a caminhada como amiga para quando estivessem com vontade de correr por aí; e a Vida resolveu viver com quem ela quisesse independente de dualismos então sua parceira principal era a Arte, mas por vezes também fazia amor com a Ciência, com os Atletas, com a Quietude, com o Ócio e com a Morte por que é preciso morrer de vez em quando pra se saber vivo. Contam que tudo isso só foi possível no reinado do menino Rodrigo que nasceu num dia de rebelião. Vida longa ao rei.

 


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