Microanatomia do sono
Na primeira noite depois do acontecido,
dormiu um sono de pedra, duro, imóvel, sem sonhos.
Dormiu sem nenhum subterfúgio, nenhuma mágica, nenhum chá.
Uma noite curta. Uma noite infinita.
Na centésima noite depois do acontecido,
dormir já era um jogo de azar.
Sempre perdia. Sobressaltos, ruídos, desconforto.
E aquele frio que lhe entranhara em cada osso...
Depois da milésima e muitas noites do acontecido,
dormir tornou-se um jogo de estratégia.
Às vezes, vencia. Sem glória, sem alarde, sem comemoração.
Três mil e tantas noites depois do acontecido,
dormir é um acordo tácito consigo mesma, sem nenhuma mediação.
Nem sempre consegue cumprir, falha miseravelmente e só resta aceitar.
Acolher o comprimento da noite e esperar o dia, sem compaixão.
Talvez, com trinta ou cem mil noites, durma outro sono de pedra.
Talvez o derradeiro, talvez o primeiro.
Talvez nada, talvez não.
deu angústia...já tive tantas noites assim de aguardar o dia chegar...revivi
ResponderExcluirAcho que o que mais me choca nessa 'microanatomia' é a secura da análise. Uma sensação de que não há nenhuma esperança em 'vencer' isso que, sequer é uma batalha, pois as batalhas mobilizam a esperança em alguma medida. Excelente o texto!
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