Sombras
Não
sabia bem por que tinha começado a pensar naquilo. Talvez fosse o sol ardendo
na sua pele marrom enquanto carregava as duas sacolas de plástico. Talvez não.
Sabe-se lá de onde nascem os pensamentos que temos. Essa reflexão sobre a origem
do pensamento, no entanto, não fora suficiente para desviar definitivamente as
suas ideais do tópico anterior. Havia se dado conta de quão maravilhosas são as
sombras. Imaginava que só pessoas idiotas poderiam não conceber a perfeição que
uma sombra é. De súbito, lembrou-se de uma aula na qual ouviu o professor falar
de algum cara que tinha dito que esse nosso mundo era um mundo de sombras. Não
costumava prestar atenção nas aulas de filosofia, história ou português, achava
que era muito blábláblá para pouca utilidade. Então, ficou levemente
impressionado de ter gravado alguma coisa do que o professor havia dito. Não tinha
entendido direto o que o tal cara falou das sombras, mas tinha certeza de que sua
comparação com um mundo de sombras carregava um tom crítico para as sombras.
Como podia um idiota desses ser estudado nas escolas?! Seja o que for que ele
tenha dito de importante, não se justificava, não é possível confiar no raciocínio
de alguém que associa sombras com algo menos evoluído. Como era mesmo o nome
desse cara?! Queria recordar o nome dele para poder ver se conseguia uma pista
de onde nascera. Sua suspeita era de que só podia ser alguém que morava em um
lugar frio. Talvez fosse de algum país da Europa. A escola adora fazer a gente
estudar aquele povo estrangeiro com nome complicado e cheio de consoantes. Também
poderia ser alguém do sul do país. Se fosse brasileiro, com certeza, era do Rio
Grande do Sul. Só alguém que mora onde neva pode não reconhecer como as sombras
são fantásticas. Ninguém do nordeste negaria que sombra representa uma coisa
muito boa. No nordeste, sombra lembra logo uma mangueira frondosa, uma rede e
uma brisa. Com certeza, o cara era alguém que sentia frio e achava que dias
bonitos são aqueles de sol. Ora! Dia bonito é dia de chuva. Ou, pelo menos, dia
de sol cheio de nuvem. Como era o nome do cara?! Pilatos? Não, não, esse era o
nome do cara que o pastor falou. Pero Vaz de Caminha?! Não, não, esse tinha sido
o professor de história que falou. O tal do velho – com certeza era velho, a
gente só estuda na escola se for homem e velho – foi falado pelo professor de
filosofia. Isso era certo, porque, se em português e história as coisas eram
blábláblá um tanto inútil, pelo menos dava para entender alguma coisa, mas
quando era filosofia, além de não servir para nada, dava um nó no juízo de todo
mundo. Fechou os olhos dois segundos para se concentrar e tentar reproduzir mentalmente
a voz do professor de filosofia quando falava daquele negócio de caverna e
sombras. Pla.... Merda! A porcaria da sacola bateu no poste e rasgou. Tinha
laranjas até do outro lado da rua! Se pelo menos a sacola tivesse rasgado mais
perto do jambeiro, ele poderia recolher a bagunça aproveitando a sombra.
Meninas, texto fruto de uma experimentação colaborativa. Pedi pro Jefferson tirar uma foto para que, inspirada nela, escrevesse um texto (olha aí, Rapha, eu tentando fazer diferente do que te disse naquela carta!). Taí o resultado!
ResponderExcluirNão sei qual foi a falta de lógica que deu origem ao processo de escrita, mas foi massa
ResponderExcluirOlha aí, aforismo compartilhado... Adorei!
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