Dos inusitados

 

O inusitado daquele ovo sem ninho foi desconcertante. Mas nem todo ovo tem ninho, ou não? Ninho sem ovo já vira muitos. Seria um ovo de lagartixa? Essa especulação preencheu seu olhar e não conteve a curiosidade do toque. Pegou-o, com cuidado, e não sacudiu, porém olhou contra luz. Continuava um segredo.

Sem fissuras, sem marcas, aquela casca fina, branquinha e frágil era bonita. Sentiu uma enorme satisfação olhando para aquela coisa alva no meio do áspero das folhas secas. O contraste entre o fim e o começo (ou a promessa dele), era belo, de um jeito improvável.

Será que as lagartixas demoram mais que os passarinhos para romper a casca? Não lembrava disso das aulas de biologia, a verdade é que as coisas mais interessantes ficavam fora das aulas, quase sempre.

Pensou na caixa de cartas e fotos que tinha guardada em algum lugar do escritório. Seus ovos de lagartixa.  O inusitado da descoberta absurda naquele dia modorrento, quente e insosso foi uma espécie de brisa. A leveza acolheu seus pensamentos. Sentiu vontade de molhar os pés...

Abriu a mangueira para sair a primeira água quente, esperou a fresca. Molhou os pés. O contato sem anteparo com aquele frio foi revigorante, logo tinha pernas e mãos molhadas. Inclinou a cabeça e levou a mangueira até a nuca. Um choque lhe subiu pela espinha. Logo tinha todo o corpo molhado, arrepiou-se, gozou aquela sensação contraditória e abundante. Não chegou a sentir frio. Sentiu-se o ovo da lagartixa, o tesouro descoberto por acaso.

Por um tempo sem fim, seu pensamento desprendeu-se de tudo. Só havia a água correndo fresca, os pés na grama meio seca – agora molhada, o corpo flutuando nas sensações, há tanto esquecidas. O inusitado da vida, às vezes, é um ovo de lagartixa, às vezes a brisa inesperadamente fresca, ou, quem sabe...