Libertinagem

 

Aquela suruba, logo cedo, foi nauseante. Mistura de asco e fascínio, por mais que se enojasse, não conseguia desviar o olhar. A natureza tem suas contravenções provocativas. O inesperado fazia daquilo um acontecimento, mas era um acontecimento silencioso e discreto, só para os atentos.

Não sabendo o que fazer, tentou ignorar. Sem sucesso. A aversão só não era maior que a curiosidades, um certo voyeurismo, diria. Os bichos emaranhados, a despeito do absurdo, prosseguiam. Sem censura, sem culpa, sem nenhuma religião, sem nenhum deus. Inveja. Percebeu-se invejosa daquilo que parecia ser mesmo uma orgia.

Foi inevitável. Seu pensamento, sem linha, perdeu-se em fantasias loucas e obscenas. Vagou por impronunciáveis arranjos. Mal o dia começara e já ansiava pela hora de voltar para cama, estaria excitada? Mas com aquilo?! Não exatamente. Sua excitação estava para além dali, daquela coisa repulsiva. Passava por uma pegada no quadril, um ajeitar do encaixe de pernas. Transitava como mãos habilidosas, dessas que criam, tecem, constroem. Sua excitação passava pelos desejos que calava, inibida. Presa aos padrões estúpidos e arbitrários.

De repente, sentiu um vigor crescente, seria liberdade? Os olhos fixados naquela mistura de lados e avessos, naquela repugnância promíscua e despreocupada. A repulsa inicial há muito perdera-se, sentia uma espécie de novidade. Nada era asqueroso ou ignóbil.

Aquele bacanal, logo cedo, foi uma explosão de contradições. Sentada no carro, gozou masturbando-se, enquanto a roda esmagava os caracóis. A contravenção provocativa da natureza fora devidamente cobrada. A inveja a fizera pequena, apodrecera seu orgasmo solitário e ineficaz. Mereceu. Afinal, quem tem prazer com sexo entre caracóis?