Multi
Acho que eu já devia ser adulta quando ouvi falar em multiuso com todas essas letras pela primeira vez. Provavelmente, em alguma etiqueta de loja de móveis ou em um texto acadêmico qualquer. Aprendi o conceito, porém, com as propagandas icônicas do Bombril que dizia ter mil e uma utilidades. É bem verdade que até hoje eu não sei que tanta utilidade é essa de uma palha de aço. Oficialmente, a utilidade parece ser uma só, o que muda é a situação de aplicação. Mas, meu objetivo aqui não é fazer uma análise crítica de um slogan de sucesso. Comecei a pensar em algo multiuso reparando na minha cadela.
Calma lá! Já explico que não se
trata, em termos precisos, de ‘uso’. É mais a ideia de ‘multi’ - que sozinha é
ruim de usar, veja que ironia! – que se aplica à minha cachorra. Luna é
multibicho. Melhor, ela é multitudo.
Para começar a defender minha tese, direi que ela atende a vários nomes como sendo dela. E, embora alguém queira discutir que isso se deve a um treino, aviso desde já que há nomes que, mesmo que dirijamos a ela inúmeras vezes, ela se recusa a entendê-los como se referindo a si. Ela é, então: Luna, Menininha, Luninha, Coisinha mais linda, Vixe Mamazinha, Cachorrinha, Porqueirinha, Dona Cachorra. Queria listar o que ela não é, porém, além de ser um problema dedicar tempo a uma lista de ausências, me é também impossível fazê-lo agora porque a eficiência da Menininha em não responder a estes nomes, me treinou o suficiente para esquecê-los... Mas, para que não me acusem de omissão, notifico que minha irmã se refere a ela como ‘a louca’ ou 'lunática' e Luna nunca sequer faz menção de considerar que essas palavras sejam para ela.
Se eu não lhe impressionei com a
variabilidade dos chamados, darei agora uma cartada fatal: Luninha é um monte
de animais convivendo no interior de seu corpo canino. Na barriguinha, ela é
vaquinha malhada. Quando lhe dá na telha, é gata que roça na gente para pedir
carinho. É tatu quando cava seus buracos no quintal e, sabendo que não pode, já
chega ao nosso lado assumindo sua versão cão de rabo entre as pernas e olhar
baixo, ainda antes de percebermos o focinho marrom de terra. É,
indiscutivelmente, canguru quando brinca conosco e pula das formas mais
inimagináveis com uma destreza de dar inveja aos ginastas chineses. Há dias que
sua carinha fica parecida com a de ratinhos (desses bonitinhos que os
desenhistas fazem). E, não se pode negligenciar, sua atuação como passarinho,
quando come as atas ou os jambos que caem no jardim.
Além desse rol de bichos que lhe
habitam o espírito, Coisinha mais linda, é gente. Gente das mais interessantes
e inteligentes, diga-se de passagem. Gente que pede para ser levada até a cama,
quando os donos relapsos ficam assistindo filme para além do horário. Gente
que, quando sonha algo ruim com alguém, fica sem interagir com a pessoa até a
má-impressão se dissipar. Gente que escolhe fazer regime se a comida se repetir
muitas vezes. Gente que fala de jeitos diferentes e decide qual o melhor
interlocutor a depender da demanda. Fala, inclusive, com alguém para que possa
ser intermediário da conversa com outro – seja para ajudar a solicitar a
atenção do alvo, seja para contribuir com seus apelos por alguma benesse, seja
para auxiliar na interpretação daquilo sobre o que se comunica. Gente que gosta
de tomar sol e ficar bronzeada. Gente que tem todos os requisitos para ser
corredora de primeira linhagem. Gente que, tendo recursos para machucar feio,
usa os dentes de mansinho quando morde nossas mãos na disputa por um brinquedo.
Gente que, sendo capaz de sentir remorso, olha arregalado dizendo “não foi
minha intenção” se, só para ver sua reação, gritamos um ‘aí’ quando ela
mordisca.
Sem querer problematizar muito:
acho que Luna é mais mil e uma utilidades que Bombril!
gente, eu amo cachorro, em especial quando se parecem com algo que amo em algumas pessoas...apertar o botão do foda-se para nomes (coisas) que não são comigo...
ResponderExcluirApaixonada por Luna, merecedora de um texto tão irreverente e carinhoso, adorei!
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