Varal, varais


 

Adorava o cheiro da roupa recém lavada, que o vento espalhava quando balançava o varal. Uma mistura sutil de sabão e amaciante, cheiro suave de limpeza e frescor. Também gostava daquele movimento discreto, o embalo tranquilo de tudo, roupas, nuvens, pensamentos. Àquela hora tudo era sossego e calmaria. Seguidos dias quentes e noites abafadas deixaram cansaços.

Enfiou as mãos no tanque cheio d’água, limpinha e fria, uma deliciosa sensação de prazer tomou conta de si, era bom. Enquanto olhava seus dedos brincarem naquela abundância, pensou na outra noite. Difícil conciliar o sono com o calor, o barulho do ventilador e alguns mosquitos zunindo no ouvido. Perdeu as contas de quantas vezes virara o travesseiro, o sono às vezes ficava em seu avesso, tentou achar, mas foi inútil. Resignou-se. Ele acabou acordando também. Por fim, transaram. Mas não sabia dizer se foi bom ou razoável, ruim não foi. Ou foi? Começou a questionar sua capacidade de avaliação.

Antes de secar as mãos na própria blusa, passou-as no rosto. Hábito antigo, parecia que, quando molhava o rosto, suas perspectivas se renovavam, via com mais clareza. Bobagem, mais para ritual que realidade mesmo. Ele perguntou alguma coisa, mas só ouviu um pedaço. Ficou calada. Em parte, por não ter ouvido e noutra por pirraça, detestava quando falavam consigo de outro cômodo. Conversa que atravessa parede não merece atenção.

Logo ele chegou, apoiou a mão no batente e repetiu a pergunta. Também seus cansaços eram indisfarçáveis. Outra vez não ouviu, olhava como se o visse pela primeira vez, o peito exposto, sem camisa, a barba de uns dois dias, os olhos um tanto fundos, o nariz meio torto, a boca fina, quase um rasgo no rosto que, olhando bem, não era harmonioso. Sabia que devia perguntar o que era, responder, resolver, mas a única coisa que se sentiu capaz de fazer, foi tirar a blusa. Ele ficou com uma expressão parva, sem entender e sem reagir por uns minutos.

Enfiou as mãos de novo n’água, passou no pescoço, deixou escorrer no vão dos seios, molhou o sutiã e, num movimento mais que mecânico, o tirou. A água, agora, escorria pela barriga, no umbigo, até o cós do short. Ele estava atônito, ela imperturbável e, cada vez mais à vontade, brincava com água em seu corpo, agora arrepiado.

Ele, que nem em seus mais loucos devaneios, imaginara tal cena, (mentira, imaginara muitas vezes, mas não com ela) ameaçou tocá-la, mais desajeitado que seguro, mais assustado que confiante, mas foi impedido. Ela segurou sua mão hesitante e a enfiou no tanque cheio. Não sabia o que devia fazer, não estava entendendo nada, só tinha ido atrás de saber onde estava o carregador do celular que havia deixado sobre a mesa de jantar e agora não estava mais lá. Detestava água fria, não a queria além das mãos. Não considerou sair daquilo. Estava perplexo, não conseguia tirar os olhos dos mamilos, não conseguia pensar no que fazer, suas fantasias não eram com ela. Aquilo passava a decência, aquilo era estranho demais para um dia comum, para ser de verdade. Não reagia.

Sem nenhuma pressa, ela soltou sua mão. Ele sentiu vergonha. Baixou os olhos, com raiva e despeito. Ela soltou o tampão do ralo e, enquanto a água corria, abaixou-se para pegar a blusa e o sutiã jogados no chão. Vestiu-se. Pegou a bacia cheia de roupa recém lavada e foi encher outro varal. Sacudia cada peça antes de estender, desejando que a umidade lhe chegasse, assim como o cheiro de sabão e amaciante, como o desejo entorpecido naquela manhã quase insólita.

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