A amiga feia
Elas foram amigas nos tempos de
graduação. Lá pelos anos 90. Uma amiga era da parte Sul da cidade e a outra era
da zona periférica. Uma pagava sua própria faculdade e a outra precisava de
apoio governamental. Suas famílias jamais seriam amigas, uma era filha de um
casal amargo em sua pobreza, a outra era filha de funcionários públicos muito
bem ajustados à sociedade – a família tradicional brasileira. Não tinham nada
em comum em suas trajetórias, a não ser que eram jovens e gostavam das mesmas
músicas. Por cinco anos trocaram suas figurinhas que não preenchiam os álbuns
por que não batiam. Bebiam, fumavam, sonhavam, riam e choravam pelas coisas da
vida. A pobretona sempre via a amiga com uma família completinha como sendo a
mais bonita do mundo. Olhava pra ela e sonhava em ter aqueles olhos, cabelos,
sorriso e doçura. Formaram-se. Cada uma seguiu seu rumo. Ainda tendo contato
por mensagens, e em vinte anos se viram duas vezes. Na primeira vez ficou claro
que algo tinha se quebrado. As trajetórias diferentes as levaram para caminhos
tão diversos que seus olhares não mais se encontraram, mas ainda tinham uma
história. Na segunda vez parecia que não tinham vivido nada juntas. Muita coisa
mudou e a periférica levou para a filha da família redondinha uma ajuda
financeira. Isso era estranho. No passado a jovem da periferia sempre precisava
de ajuda. No passado a família tradicional era um espaço de equilíbrio
financeiro e emocional. Viu a amiga bonita do passado tão infeliz e tão só que
sentiu que tinham em comum o passado (daquela pobre) e o presente (da agora empobrecida).
Olhou para aquele rosto que tantas vezes desejou acordar com ele e o viu feio.
Viu o quanto a amiga tinha falhas. Onde estava sua perfeição? O tempo levou?
Lembrou de outras amigas conquistadas nos últimos anos e que também estavam
envelhecendo, mas eram belas aos seus olhos com tudo que a velhice tem. Mas
aquela da graduação...nossa! Como estava feia. Que crueldade pensar isso de uma
amiga. O que mudou? Talvez a amiga nunca tenha sido tão bonita quanto lhe
parecia. Seu ponto de partida que era sua própria aparência é que dava nuance
às coisas. Ver a grama da outra tão verdinha a fazia vê-la como um anjo de luz.
Por onde ela passava parecia tudo estar iluminado. Ao sair do epicentro da
situação percebeu de longe, com pouca luz jogada no rosto da outra, que não era
exatamente beleza que ela via. Era um desejo de ser ela que a fazia bonita. Era
o desejo de não ser quem era. Era o desejo de não ter aquela vida que fazia a
vida (o rosto) da outra tão bela e tão desejável. Na sua própria escuridão
percebeu sua beleza e os limites da amiga nada perfeita. O tempo é professor em
mostrar as imperfeições da vida que a fazem completa e de uma beleza singular.
Essa história de luz e escuridão me lembrou coisas...
ResponderExcluirValha, eu tinha comentado aqui 🤔. Enfim... fiquei pensando que o tempo é professor, mas que nós, em geral, somos maus alunos.
ResponderExcluirSim...eu reprovo sempre.
ExcluirAí eu lembrei do Valter Hugo Mãe, "ser o que se pode é a felicidade. A felicidade é a aceitação do que se é e se pode ser."...
ExcluirEsse cara é foda, A mais pura verdade
Excluir