Amália

 


Bateram na porta. Uma entrega qualquer. A caixa com o produto que atravessara o oceano por menos de 35 reais. Desembrulhou sem emoção. Mais um elemento para sua coleção infindável de bugigangas. Ele era como tantos outros. Não se preocupava em não ser especial. Bastava-lhe existir. A vida já era demais sem as problematizações. Contentava-se com o quinhão que lhe cabia.

Quando conheceu Amália num barzinho decadente pretendia apenas aplacar a solidão de uma noite longa com um gozo rápido. Se o dissessem que aquela noite mudaria seu destino, ele duvidaria, apostaria em contrário. Amália não era particularmente bonita. Ele nunca comentaria, mas quando ela se apresentou ele riu internamente. Sempre achou que Amália era nome de vaca. Vaca malhada. Tomaram 2 cervejas. Ele colocou a mão na perna dela por debaixo da mesa. Ela abriu-a um pouco. Ele fez as primeiras carícias enquanto o garçom trazia a conta.

Foram para a casa dele. No sofá, rodeado de porcarias vindas da China ou de algum depósito dessas grandes companhias, sexuaram. Não era amor. Nunca era. Mas, não precisa ser amor para ser bom. Depois de dois orgasmos, ele levantou-se para tomar um banho. Era a senha para que a mulher recolhesse seus pertences e chamasse um táxi ou uber. Amália, porém, virou-se e adormeceu.

Ao voltar do chuveiro, ele ficou intrigado e incomodado com a ousadia da fêmea. Sentiu-se aliviado por não a ter levado para cama. Deixou-a no sofá e seguiu para o quarto. Na manhã seguinte lidaria com a intrusa.

Acordou às 6 com o cheiro de café invadindo suas narinas. Sequer lembrava que a cafeteira elétrica funcionava. A surpresa deve ter se misturado ao fantástico odor penetrante da bebida para distraí-lo da profunda raiva que costumava sentir quando percebia que os limites de sua intimidade eram ultrapassados. Ainda zonzo caminhou até a cozinha. Deparou-se com Amália sentada na banqueta alta apenas de calcinha e com sua caneca preferida entre as mãos. Ela tinha o rosto amassado, os olhos escuros pela maquiagem não retirada e os cabelos desgrenhados. Não entendeu bem como, mas a imagem lhe excitou. Voltaram a transar antes mesmo de um ‘bom dia’. Ao fim, sem saber como proceder, perguntou-a se ela não teria que ir trabalhar. Amália encarou-o e disse que era sábado. Ele levantou-se para pegar café. Olhando para a caneca, disse, ‘você pegou minha caneca’. ‘Tudo aqui é seu’, ela respondeu sem o menor de constrangimento. E complementou: ‘tudo, menos eu, é claro’. A autoconfiança da mulher o assombrou. Quis desvendá-la, saber os detalhes de sua história, compreender como era possível alguém aparentemente tão comum ser tão incrível. Pensou em convidá-la para irem almoçar em um restaurante, mas temeu que ela negasse. Intuitivamente, decidiu que o melhor a fazer era deixar que ela continuasse guiando o curso das coisas como tinha feito até ali.

Amália ficou até algum momento da madrugada de domingo. Saiu enquanto ele dormia. Limitou-se a escrever um bilhete dizendo que apareceria novamente a qualquer hora.

Agora, toda vez que batem na porta, seu coração dispara. Passou a odiar as suas encomendas. 

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