O contorcionista


 

Pensava contorcendo o corpo como se as ideias fossem gestadas por colaboração de todos os órgãos ou como se corressem pelo sangue disputando um pouco do oxigênio. Às vezes, o contorcionismo se concentrava na boca, enrijecendo os lábios e evidenciando em seu redor as linhas do tempo que já não tinha mais. Eventualmente, arregalava os olhos como se quisesse engolir com eles o universo. Porém, a abertura exagerada não era para enxergar melhor. Era apenas mais um tique de um processo de concentração que, ironicamente, se espalhava em diferentes partes do seu corpo magro. A metáfora socrática de parir as ideias não era metafórica nele. Chegava a gemer. Não era possível saber se de dor, prazer ou ambos. Seja o que fosse, o ocupava por horas. Não falava e não comia, embora em certos momentos, se agarrasse à caneca e sugasse quase mecanicamente o líquido que ela continha. Também podia ser visto caminhando sem rumo enquanto o pensamento agitava suas células ou demandava gestos inusitados de seus braços, tronco e face. Como a estranheza não existe em si mesma, sendo apenas fruto da falta de convivência com certos atos, sua performance pensante não chocava mais os que lhe rodeavam. Ao contrário, na pequena fazenda onde morava desde criança, esperavam sempre uma pérola de sabedoria após um espetáculo de pensamento incorporado. Num dia nublado, teve uma convulsão e morreu. Em seu enterro, a maior lamentação de todos era não saber que ideia fulminante ele tivera.

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