O muro da minha casa

 

O tempo pintou um quadro no meu muro. Manchas cinzas e linhas aleatórias na tela amarela queimada de sol. Um quadro imenso, alto e largo, que separa o dentro do fora. Feito para resguardar a privacidade, os muros carregam o ar sisudo de uma sociedade que tem medo de si. A seriedade do meu muro contaminou-se do verde das plantas que encostam nele suas folhas sem ligar para sua função austera. Meu filho, jogando-lhe balões d’água que explodem ao esbarrarem em sua dureza, faz do muro algo para o qual ele não foi projetado. Molhado, o muro ri. Um sorriso pequeno, próprio de quem tem pouca prática em leveza. Em algumas manhãs, o muro vira estrada para ‘soins’ que o veem somente como um atalho para a outra rua. Os animaizinhos lhe fazem cócegas. Ao pé do muro, estica-se um chão que comporta um tapete de folhas marrons, terra, grama viva e morta (ou preste a morrer), cimento. Esses pedaços de chão fazem também parte da extensão do muro-quadro. Muro e chão são as partes básicas de todos os imóveis. Mas, o muro da minha casa – e o chão que lhe compõe – é movido pelo tempo que o colore, pelas folhas que o acariciam, pelas brincadeiras infantis das quais participa, pelo sol que o ilumina e desbota, pelos bichos que fazem dele caminho. Esperançosa, contemplo a mobilidade de um imóvel.


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