Desmemória
Meus melhores textos são aqueles que escrevo mentalmente. Perco-os
no tsunami de inutilidades e utilidades do pensamento. Na avalanche da desmemória
apaga-se a vida aos pouquinhos. Uma amiga conta de um ocorrido nosso que me
escorreu pelo ralo:
Minha vida sem mim.
Lembranças de um passado que experimentei e cujo registro se
guarda no arquivo de outros:
Minha vida pelos olhos alheios.
Histórias do meu filho que anotei em algum papel. Que
adianta anotar quando não se sabe localizar a caderneta?
Sou uma repartição pública dos anos 80. Entupida de armários
de arquivos-suspensos mal organizados. O responsável pela ordenação é um velho que
se recusa a entrar no mundo digital. Retratos da infância misturados com
quadros do museu da adultez.
Minha vida catalogada em pastas e etiquetas.
Os textos que escrevo hoje, também se dissolverão. Com
sorte, sobreviverão em alguma recordação passageira de quem os leu. Em mim,
porém, morrem a cada dia. Concretizá-los na página virtual já é o começo de sua
lenta morte. Inconscientemente, é possível que eu escreva para esquecer.
Por isso, escrever é um exercício prazeroso. Um jogar fora
com estilo:
“Rebolar no mato’!
Porque, na minha literatura chinfrim, as palavras são bolas
que dançam no sem sentido dos sons do mundo. E o que é o mundo senão um mato?
Nesse grande terreno baldio que lutamos com tanto afinco por
estragar definitivamente, eu vago com meus arquivos bagunçados.
Vago em mim também.
Deve ser esse o motivo do meu flerte com a vagabundagem. Meu
desejo íntimo de ser bicho. De voltar ao primitivo da existência. De dar uma
guinada na evolução. Assegurar que o básico seja a lei:
A lei da selva dos
animais e não da humanidade.
Eu, que esqueço dos meus rastros, lembro dos que nunca vivi.
No fio desse paradoxo, rasgo minha pele tentando me equilibrar. Suspensa no ar,
tinjo de vermelho-sangue o fino nylon do que sou e do que nunca serei:
Sonho com o futuro que seja um passado imemorial.
Tentando me encontrar porque me perdi no meio de toda essa beleza memorável
ResponderExcluir"Tem mais presença em mim o que me falta"
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