Disfarce
Esforçava-se
por disfarçar sua ignorância. Sabia que todos ao seu redor eram também
farsantes. Ignorantes de marca maior que se escondiam por trás de uma ou muitas
máscaras. Estranhamente, a ignorância talvez fosse dessas qualidades que unem e
igualam as pessoas. Em geral, todos somos ignorantes. É possível que o intenso
desejo de disfarça-la tivesse raízes em algo ainda mais profundo: a ânsia pela
diferenciação admirável. Pelo menos para ele isso era válido. Sonhava em ser
reconhecido por sua sagacidade, por suas ideias geniais, por ser aquele a quem
se recorre quando diante de uma situação sem solução. Fantasiava, dormindo e
acordado, que sua sapiência seria lembrada enquanto houvesse rastro de humanidade
no mundo.
Tinha
consciência da dificuldade que contornava seu objetivo. Era especialmente árduo
disfarçar bem a ignorância após séculos de estratégias bem-sucedidas já terem
sido usadas por outros. Nesse sentido, idolatrava e odiava Sócrates. Disfarçar
a ignorância por revelá-la era um golpe de mestre. Um golpe, claro, que não
estava mais disponível para ele. Depois de Sócrates, escancarar a ignorância
virara lugar comum. Obviamente, muitos que usaram (e usam) esse estratagema não
tinham o menor talento e só conseguiam alcançar o status de burros orgulhosos
de si. Porém, mesmo os que utilizam o ‘método’ com requinte, não chegarão a se
banhar no mar da sabedoria que lamberá os pés da posteridade. Um bom disfarce
demanda originalidade. Usar o ‘só sei que nada sei’ hoje é como querer ganhar
um baile de carnaval fantasiado de pirata.
E,
não foi apenas Sócrates a tirar-lhe das mãos boas oportunidades. No correr dos séculos, havia toda uma variedade de jogadas para cobrir de ruge e corar as faces da ignorância. Os rebeldes, os gurus, os iluminados, os que contestavam
a possibilidade de verdade, os gênios sarcásticos, os intelectuais pessimistas,
os cientistas humanistas, os artistas enigmáticos.
Com
o advento da internet e dos motores de busca que todo e qualquer um carrega
dentro do bolso, as coisas complicaram-se. De repente, saber não podia mais ser
só um truque de circo, um arrotar de informações rebuscadas que poderiam ser
soltas mesmerizando os incultos. Um pirralho de 5 anos tinha tanto acesso aos (um dia) obscuros recônditos da produção humana quanto um velho que roeu os livros
durante anos. Não à toa, uma boa maquiagem para ignorância atualmente era ser ‘geek’
e entender os meandros das máquinas. Da forma como ele entendia o jogo, contudo,
isso se configurava como um roubo. Afinal, há normas mesmo entre os farsantes. E
ele percebia-se como um vigarista de respeito, um nobre participante da milenar
arte de ludibriar o semelhante mostrando-se inteiro quando, de fato, não passa
de um pano roto. A nova geração de pretendente a falsários, quiçá, compreendia as
bases em que se moviam. Sua tática era criar uma realidade paralela e se
apoderar de suas leis. No entanto, como não poderia deixar de ser, isso abria
um precedente insuportável: outras mentes podiam também inventar mundos
paralelos, regidos por códigos diferentes. Assim, os jovens que tentavam se consagrar por meio das máquinas e suas engrenagens, tocam o estrelato por
segundos para, em seguida, serem substituídos pelo próximo. Não há verdadeira
glória se não houver durabilidade.
Como
agigantar-se entre os demais? Eis a pergunta que o atormentava dia e noite. Saber,
entender, desvendar, desvelar. A vida não estava aí para ser vivida, mas para
ser palco de sua inteligência sem igual. Na incessante busca de mastigar o
mundo somente para cuspi-lo mais adiante, convenceu-se do evidente: não
entraria para os anais da História. Em sua incompetência, não conseguia se transformar no ilusionista que um dia imaginara ser. Decidiu tratar-se,
procurar ajuda profissional para eleger outra meta mais factível. Pensou em ser
professor, mas sua ambição pelo brilho nunca o deixaria trilhar um caminho tão
achincalhado. Cogitou uma carreira no cinema, mas não tinha a paciência
necessária para conviver com tantos desviantes. Por fim, optou pela trilha adornada
de migalhas de aplausos e de deslumbramento dos que não enxergam um palmo a
frente do nariz: virou coach.
Simplesmente P e r f e i t o! E o mundo está cheio desse inferno.
ResponderExcluirkkkkkkkkk genial! Tanta gente tinha q ler isso...
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