O astrolábio

 


Uma vez, quando menina, ouviu que o astrolábio servia para medir a altura dos astros acima do horizonte. De toda explicação elaborada e manuseio confuso, guardou o que entendeu: o astrolábio media a distância das estrelas.

Achou aquilo a coisa mais linda do mundo, um instrumento que podia dizer o quão alta estava uma estrela, o quão longe... Achou um invento dos mais geniais e quem sabia usá-lo para se achar, tão genial quanto.

Pensava sempre no sem-fim de contas, necessárias para se chegar à sua precisão, quer dizer, desconfiava que não era lá essas coisas de precisão, mas servia muito bem. Quando foi criado o mundo era grande demais, tudo longe demais, a borda do mar custava uma vida, umas tantas vidas. O sol era mais perto que muita terra, as estrelas mais próximas que muito porto. Tudo era vasto e essa vastidão tentava os mais curiosos, os corajosos, os que, ainda tendo a razão, perderam o sentido. Possivelmente a tentaria. O mundo era mundo demais.

Logo criou uma nova categorização de distância, a distância astrolábica:  àquela que só podia ser medida com (im)precisão por um astrolábio. Seu astrolábio imaginário calculava alturas, distâncias metafóricas –a cozinha da casa da avó, a cama do homem que amava, o céu onde voava. Tudo tão alto... Tudo tão visível.

Astro lábio, a s t r o l á b i o, estrelas e boca, sol e borda, astrolábio.

Se tivesse um astrolábio, saberia a distância do sol, a altura de Regulus, Aldebaran, das Três Marias. Possivelmente, continuaria perdida (sempre fora péssima de localização). As alturas astrolábicas seriam tangíveis. Ela saberia, exatamente, o quão longe está o céu e a boniteza que é encostar num astro com o lábio.

 

Comentários

  1. Que coisa fantástica. Acordar com um texto desse, bicho! Obrigada

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  2. Que texto lindo. Fui lendo e tentando guardar as frases em mim. Acho que algumas palavras ajudam a gente a ver mais de perto o brilho das estrelas.

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