Urgência


 

Queria muito escrever. Precisava

Mas, não tinha precisão nenhuma nos temas, nos destinatários

Há, claro, sempre um grupo de rostos a quem as palavras se endereçavam prioritariamente

Amigas e amigos que dão sentido às verdades inventadas que contornam minha identidade

RG para mim é Rita Gomes

Registro é coisa das companhias de água

Ou de cartório

De toda forma, sempre uma transação mercantil

 

Escrevo agora e a urgência atravessa a porta de vidro se despedindo com gentileza

‘Volto mais tarde’

Meu olhar diz para ela ‘te aguardo com a ansiedade de sempre’

Ela caminha ainda pelo jardim

Observa o céu nublado distraidamente

 

Se você que me lê não consegue acompanhar o ‘fio da meada’, tudo bem

Eu mesma já me perdi

Minhas palavras nunca são medidas

São cuspidas

Gosto de fazer-me de duas e ver onde vão dar

Mesmo quando não levam a lugar algum

Se entortarmos devidamente a cabeça pintamos nelas um sentido

 

A urgência sumiu

Sequer a ouvi bater o portão na saída

Abandonou-me, secou a saliva das minhas palavras

Estou só

Eu e o dicionário morto da Razão

Falar com as palavras dos dicionários me obriga a alinhavar antes de existir um tecido

A Razão pede o impossível o tempo todo

Seu discurso, porém, não é contestado

Privilégios dos vencedores da História

 

Paro aqui

No meio tornado fim

Farei greve até que a urgência retorne.

Comentários

  1. Já ouvi um parente indígena dizer que as palavras arrancam o sentido do existir. Lembrei dele agora.

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  2. Essa urgência, não raro, passeia por aqui tb...

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(Saber o que o outro pensa, faz diferença...)