No gueto da tempestade
Bateu na porta,
achou aquela casinha tão precária, talvez ali houvesse um lugarzinho para ela.
Não queria muito, só um cantinho. Até um paninho no chão no canto da parede lhe
serviria. O cachorro molhado da chuva a viu e sorriu com o rabo. Afagou a
cabeça do bichinho que continuou a se proteger na insuficiente beirada do
telhado. A moça abriu a porta e não a enxergou, bateu-lhe de volta na cara.
Estaria tão invisível assim? Tudo bem, a noite estava escura e chovia muito,
talvez tenha sido isso. Continuou a caminhada a procura de quem a abraçasse.
Não que ela precisasse sozinha de um abraço, mas que pessoas precisavam ser
abraçadas. Pensou: Um hospital, lá deve ser o meu lugar. Encheu o peito de
orgulho de si e sabia que lá as pessoas estavam frágeis o bastante para
negar-lhe uma acolhida. Alguns não a viram, outros já estavam fazendo sua
travessia, e as famílias estavam num estado de desespero que tinham como
principal sintoma a surdez, não a ouviam: “estou aqui”. Ainda acreditando que
poderia ser útil, mas já mudando a cor de sua aura, motivou-se a ir até um
presídio. Lá não passou da portaria. A amargura da vigilância e a crença de que
a morte é o melhor caminho a fez pensar que aquele talvez não fosse um bom
momento. Também não tinha intenção de disputar com a morte, ela tinha seu
momento e as pessoas às vezes chamavam seu grande final antes da hora. Não se
metia nesses assuntos a não ser que fosse convidada. Como um vampiro às
avessas, precisava ser convidada a entrar e preencher os espaços. A chuva
continuava torrencial. Arrastou-se até a estrada. Lá pediu carona a diversos
carros, grandões e ostentosos, pequenos e velhos caindo aos pedaços; até mesmo
aquele motorista com pneu furado no meio da tempestade lhe negou um olhar que
fosse. Caminhou desolada. Tinha-se tornado obsoleta, inútil e verdadeiramente
invisível. Caminhou a noite inteira. A chuva cantava ao tocar no chão. O vento
assobiava despreocupado com o que poderia estar derrubando. O céu era um breu
só. Uma noite bela como só ela poderia perceber, pois sabia: no dia seguinte
haveria de raiar um sol daqueles e seus raios rasgariam as brechas pedindo
passagem ao verde da mata que agora estava fechada como um paredão. Não via
mais casas nem pessoas. Aflita por não ser recebida por pessoa alguma, mergulhou
na escuridão da flora que sempre a acolhia como um útero pronto para abrigar
seus frutos. Via a água escorrer abrindo caminhos, valas e arrastando pedras.
Era uma tempestade que não via fazia muito tempo. “Eu seria muito necessária,
em tempos assim no passado”. Seguiu por entre os galhos pesados com a obesidade
da água que desabava fazendo ressoar seus tambores na noite fria. Sentou-se no
penhasco e esperou, pelo quê? O sol em breve iria brilhar e ela começaria a
ouvir o pranto que sempre vem depois de um desabamento do céu. Olhou a
imensidão da linha do horizonte e sabia que era tão infinita quanto ela e que
seria suficiente para todas as criaturas que lhe procurassem. Aguardou a hora em
que a dor fosse tão insuportável que as pessoas entrassem num estado de
letargia a ponto de não ouvirem mais noticiários, que não sentissem mais a
força das ideologias que desencorajam. Aguardou que as pessoas chegassem ao
ponto de não sentirem mais nada a não ser sua presença: Esperança.
"Bão balalão,
ResponderExcluirSenhor capitão.
Tirai este peso
Do meu coração.
Não é de tristeza,
Não é de aflição:
É só de esperança,
Senhor capitão!
A leve esperança,
A aérea esperança...
Aérea, pois não!
- Peso mais pesado
Não existe não.
Ah, livrai-me dele,
Senhor capitão!"
Há um ponto depois desse, De. Acredite...
De algum modo me parece que todos já chegaram nesse ponto, penso que a esperança vai passar um bom tempo sentada nesse penhasco...por que acreditar já se tornou pesado mesmo.
ExcluirAdorei, Dê. Que a tormenta passe logo. Saudades de abraçar a esperança com a força de anos atrás...
ResponderExcluirEu também, Ritinha. Eu também.
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