Onde a poesia não alcança

 


Da primeira vez não conhecia o terror. Quando começou a cair tentou, desesperada, agarrar-se, mas não havia nada. Quanto mais buscava, menos achava. Rodopiava e resvalava-se no penhasco infinito, no vazio abissal. Impotente e desamparada, girava no profundo, esperando o baque seco que encerraria a agonia, mas ele não chegava. Quanto mais esperava, mais tardava. O fim, o fim daquele frêmito torturante que a atravessava. Mas o fim não chegava, e seguiu em queda livre até se esfacelar.

Das outras vezes, sabendo o terror, tentava a todo custo se esquivar. Às vezes conseguia adiar, mas falhava em evitar a queda. E lá ia ela, como maça nas mãos de malabarista aprendiz, encarar o terror de olhos arregalados, de peito apertado, de boca cerrada. Caindo, caindo sem trégua, sem consolo, sem parar. Esse chão que se abria sob os pés, esse ar rarefeito, esse grito perdido no espaço. O flanco esgarçado, a alma exposta e nada do baque, pois que tudo era em si um baque que a espatifava.

Aluir com asas quebradas.

Emudecida diante do terror –o buraco que a consumia, como a boca de um inferno faminto. Debatia-se no vão das coisas e em queda livre agonizava. Não, não há poesia no terror.

 

Comentários

  1. Que forte esse escrito, Rapha. Como algo tão angustiante pode ser dito de forma bonita assim??

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  2. Descrição poética de tantas vezes que caímos, e essa queda dói tão eternamente que só o que se deseja é morrer. Irônico, com o final do texto, mas senti essa dor de forma tão poética...

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