Quando os elefantes duelam as formigas morrem primeiro

 

 

Há dias andava pensando naquilo, os passarinhos morrem de velhice? Um dia param de voar porque lhes travou as asas? Pensava, pensava e não concluía nada. Chegou a assuntar com a mãe, que sabia muitas coisas de bichos, mas ela disse que não sabia, que era pra arrumar algo útil pra fazer. Tentou com o irmão, muitas séries adiantado, esse riu da sua cara. “Pergunta besta! Tem nada melhor pra fazer, não?” Desconfiou que esse também não sabia e não queria dar o braço a torcer.

Cismou nisso um bocado. Andava com a cabeça aí e nem a história da briga, na venda do s. Afonso, com tiro e tudo, lhe distraiu. O pai foi entrando em casa e contando, enquanto virava o bule de café no copo, meio assustado, meio indignado, exaltado com o acontecido. Chegou na venda pouco depois, a polícia ainda estava lá. A mãe foi logo falando que isso era o fim dos tempos, o irmão queria saber qual foi a arma, o pai falava e falava, caprichava nos detalhes aumentando um pouco o perigo, ouvia tudo e só pensava na coisa do passarinho velho. Só conhecia o jeito de envelhecer de gente e cachorro, pra falar a verdade nem de gato! Deixou para perguntar pro pai outro dia.

Esperou o fim da aula e tomou coragem para perguntar à professora, d. Élida era muito pacienciosa, nunca gritava. Ela não esperava essa questão, ficou um pouco assombrada na hora, nunca tinha pensado nisso. Refletiu um pouco e disse que também não sabia, mas ia procurar saber e amanhã lhe dava uma resposta. Saiu um pouco desacorçoado, mas com alguma esperança. Amanhã é um dia que custa a chegar quando se tem pressa.

Dia comprido aquele, até tentou fazer um pouco mais da represinha que vinha construindo na saída de água do cano do tanque, mas parece que não tinha muita graça. Andou pelo quintal como quem que procurasse assunto, mas estava era matutando, ruminando na coisa do passarinho. Se entrevava, como é que achava comida? Se já não tinha ninho, como é que ficava? Olhava para as árvores procurando um passarinho velho, mas como é que ia saber?

Na hora da janta não deu um pio, nem reclamou quando o irmão pegou seu pedaço da galinha, só pra provocar que ele nem gostava mais de apostar o ossinho, dizia que era coisa de criança, mas isso foi depois que perdeu uns três soldadinhos no joguinho. O pai estranhou, especulou e enfim chegou à questão do passarinho. De tudo, só ouviu que a professora não sabia a resposta. “Como podia ser uma coisa dessa?”. Que a mãe fosse amanhã mesmo tirar satisfação com a diretora. “Mas ela vai responder amanhã, pai!”. “Eu que não vou me enxerir em besteira de criança, onde já se viu? Não tem nem cabimento tirar satisfação por uma bobagem dessa!”. O pai não gostou nada. “Como pode uma professora que não sabe das coisas?”. “E agora tem que saber tudo, é?”. “Mas se não sabe nem uma coisa à toa dessas?!”. “Ela vai saber, pai, vai me contar amanhã!”. Mas ninguém mais ouvia nada. O pai falava, a mãe retrucava, o pai espumava, a mãe fincava o pé e o irmão lambendo os dedos com o seu pedaço de galinha, que aflição!

Naquela noite revirou na cama procurando o sono. Era o passarinho, era o pai, a mãe, a professora e o folgado do irmão, que babava na fronha do travesseiro, alheio a tudo, que raiva! Levantou antes da hora, nem o rosto lavado diminuía seu abatimento. A mãe de cara fechada, o pai emburrado e o besta do irmão que nem tinha acordado ainda. “Se não vai você, vou eu”. “Vai, fazer papel de trouxa em matusquelice de menino, vai”. “Mas a professora...”  Quis falar, mas desanimou. O pai ficou danado. A mãe ficou calada. E o irmão apareceu, com remela no canto do olho.

“É uma parva, essa professora, se não sabia a resposta, e nem o menino, que falasse qualquer coisa, ele acreditava. Tem que ser ardilosa!”. A mãe se pôs indignada, “e ia ensinar coisa errada?”. Já nem ouvia mais nada. Enquanto os pais debatiam o irmão comia todo o resto do bolo. O menino afundou na cadeira e só prestou atenção quando disseram: “também, isso é pergunta que se faça?!”.

 

Comentários

  1. Gente, que texto maravilhoso. Fiquei o tempo inteiro vendo a curiosidade, os questionamentos das crianças sendo esfacelados pelos "pés" gigantes dos adultos amiudados.

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  2. Vaidades e verdades, duas algozes sanguinárias...

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