Escolher seu destino é assenhorar-se de si
E por que não vai mais ele? Tem casa feita, serviço certo e num é feio...
Balançou a cabeça com toda convicção. Há anos tinha decidido isso em seu íntimo.
Num quero. Nem ele e nem nenhum. Quero é todos e não só um.
Ah, vai ser quenga, é? Perguntou com deboche, levando aquele disparate como brincadeira que devia ser. Mas, no fundo, um misto de curiosidade, preocupação e admiração se fez saber.
Vou. Vou ser quenga, mulher da vida, P-U-T-A! A última palavra soletrou com gosto, saboreando cada letra, sentindo explodir na boca aquilo que inundava seu coração, o gozo de escolher ser o que para ninguém parecia escolha.
Isso é coisa que acaba com a gente, o corpo gasta rápido, um desmazelo só... Tentou trazer-lhe à razão, apelando para o viço a ser perdido com ligeireza.
A gente se gasta no serviço e no ofício. Igual. Declarou com a certeza de quem vira o acontecimento suceder. Deu de ombros, parecia não se importar mesmo.
E quando gastar, vai fazer o que? Xibiu seco não vale um prato de farinha. Considerou, com um gosto de vitória e uma certa cautela, amargando a sentença tão verdadeira quanto injusta.
Primeiro que puta num vive só de xibiu. Falou, enquanto observava os olhos arregalarem e a boca abrir num assombro, era sua vez de ser debochada, que doce vingança mesquinha! Depois que eu quero é ser puta velha mesmo, gastada e esquecida pro ofício. (Nem se visse Jesus ressuscitando na sua frente ficaria tão assombrada... Não sabia nem o que dizer.)
De modo que continuou. Quando chegar esse dia, quero botar um bar, uma bodega pra contar certo. Vender cachaça no balcão e pão. Não vou vender cachaça fiada, mas “esquecerei” de anotar uns punhados de farinha, rapadura e feijão. Quero uma venda só minha, só eu sendo dona e senhora. Com isso os homens hão de se conformar, porque as únicas mulheres que sabem respeitar na vida são a mãe, mas falha, e as putas que ensinaram o caminho pra rola afoita.
Já nem era assombro e sim um fascínio, por aquele plano cheio de inteligência e astúcia. Os olhos arregalados flamejavam e a boca não sabia sequer balbuciar, parecia que seus pensamentos se embaralharam entre o que era direito e o que ia meio torto, mas parecia mais direito ainda.
E digo mais, se algum ousar ao longo do caminho há de conhecer minha navalha, porque só tenho a perder um sonho e sonho nem chega a ser coisa garantida. Vida da gente nem da gente é, mas as vontades sim. Com isso encerrou o assunto, despachou o moço –que não lhe levando foi atrás de outra– e atiçou as fagulhas que se julgava extintas.
Que fantástico esse texto-trechinho de conversa! Uma conversa que, cheia de vida e coragem, não pode deixar de nos assombrar...
ResponderExcluirQuando eu crescer quero ser ela. Essa é minha vontade.
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