O enterro da escova
Quando
ela decidiu jogar a escova de dentes de Marcelo no lixo já havia se passado
três meses desde a conversa que selará o fim. A permanência da escova no banheiro
talvez fosse a materialização da sua esperança de que o término não fosse definitivo.
Não sabia dizer. Talvez fosse, simplesmente, o lembrete que ela havia sido amada
e partilhado tempo de vida com alguém.
Ela
pegou a escova com cuidado, como se fosse um objeto muito frágil e valioso.
Passou a pontas dos dedos no cabo preto. Acariciou as cerdas. Uma lágrima ensaiou
sair quando abriu a tampa da lixeira. Não fosse uma coisa inanimada, quem
olhasse diria que se tratava de um funeral. A bem da verdade, não deixava de
ser. Com aquele ato, ela enterrava mais uma história.
Aos
trinta de dois, ela já havia protagonizado muitos rituais de despedida. Mais
uma vez, o amor se esfacelava, reafirmando seu íntimo temor de que ela não
tinha direito a ele. Passados os meses, a culpa não se aplacava. A todo
momento, um pesado julgo corroía-lhe apontando que a única variável comum em
todos os seus relacionamentos fracassados era ela mesma. Marcelo era apenas
mais um nome da lista de tantos amores que ela não soubera ter. Inevitavelmente,
comparava-se às amigas casadas. Imaginava que ações ou inações as separavam.
Faltaria a ela algo fundamental? Era puro acaso não ter achado ainda o parceiro
que a acompanharia até o último suspiro? Uma dor prensava seu peito. Era
incerto se o que doía era o luto do namoro findado ou o medo de não viver de
acordo com o script social.
Mirando a escova no cesto, pensou novamente
sobre os atos que precederam o fenecer da relação com Marcelo. Diferente de
outros, o namoro com ele acabou em câmera lenta. Uma pilha de pequenos
desentendimentos e embates que botaram para debaixo do tapete. Não se deram
conta de que eles próprios eram o tapete. Pouco a pouco, as gotas do silêncio entre
os dois congelaram todas as interações reais. Tornaram-se estranhos que
dividiam a casa e as dívidas cotidianas. Coube a ele a coragem de demandar o
reconhecimento daquele corpo morto que se estabelecera entre eles e neles. Se
dependesse dela, provavelmente ainda estariam carregando silenciosamente o cadáver.
Sorrindo em eventos sociais e sentando com olhos vazios para tomar café a cada
manhã.
Antes
de fechar a lixeira, perguntou-se se ainda teria chances de tentar. Não com
Marcelo. Queria saber se poderia ainda amar. Se teria forças suficientes para mergulhar
nas águas refrescantes e turvas de compartir gostos, sonhos, presentes e
futuros. Enquanto colocava a tampa sobre o balde de lixo, abaixou as pálpebras até
que os cílios se tocassem. Respirou fundo pedindo a Deus que não a permitisse
abrir mão da dádiva de amar.
Que metáfora perfeita essa do enterro da escova relacionada ao fim de um ciclo. Adorei.
ResponderExcluirMto bom! Fiquei me perguntando qdo deixaremos de nos cobrar tanto...
ResponderExcluirMto bom! Fiquei me perguntando qdo deixaremos de nos cobrar tanto...
ResponderExcluirMto bom! Fiquei me perguntando qdo deixaremos de nos cobrar tanto...
ResponderExcluirMeninas, adoro ter vocês como leitoras!!
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