O estrondo da gota caindo

 

Há uns dias tinha lido uma matéria sobre a câmara anecoica e seu efeito perturbador, ou coisa assim. Já tinha lido outras coisas a respeito, então, não era exatamente uma novidade. Mas uma coisa naquele texto a fisgara e, vez por outra, voltava a provocar seus pensamentos, num flerte descarado e tentador: “Qual é o som do seu silêncio?”

Aquela pergunta, título da matéria, reverberou por dias. Nunca tinha, de fato, pensado nisso, embora soubesse que o silêncio mesmo só existe no vácuo. Começou a prestar muita atenção aos sons dos seus silêncios.

O que era curioso no início, logo foi ficando assustador. Não conseguia mais ouvir silêncio. Sua cabeça não parava de achar estímulos, sons, ruídos, mesmo que seus ouvidos se negassem a ouvir, a cabeça achava. Quase enlouqueceu! Logo entendeu o quão perturbadora poderia ser uma câmara anecoica. Exauriu-se. Irritou-se. Maldisse a porcaria do artigo e seu autor. Sucumbiu.

Numa noite, já madrugada longa, não conseguindo dormir, sentou-se na espreguiçadeira da varanda, ia tomar chá, mas a garrafa de vinho aberta na geladeira foi um convite irrecusável. Não havia muitas estrelas, ao contrário, eram bem poucas, a lua estava encoberta e o que restava era a escuridão, povoada do reflexo das luzes da rua. Tal qual seu silêncio, pensou enquanto bebia um gole ávido.

Esticou as pernas, com os olhos fixos no céu, esperou a sensação daquele gole chegar em todo seu corpo, desemperrar suas portas pesadas, amortecer-lhe a razão implacável. “Qual é o som do seu silêncio?” Ruminou a pergunta, degustando as possibilidades de resposta, um banquete no qual nada lhe era suficientemente atraente.

No segundo gole, achou ter ouvido o barulho do mar, impossível àquela distância. Depois, sobressaltou-se com uma risada, uma conversa num sotaque de longe. Julgou ter ouvido alguém puxar um samba e batucar na mesa, vozes conhecidas. Fechou os olhos para aguçar outros sentidos.

De repente, todo ruído sumiu. Nada de carros, nada de grilos, nada do barulho da noite, da vida... O som do seu silêncio era o som de sua memória visceral.


Comentários

  1. Tia, que texto maravilhoso. Que pergunta instigante!! Fiquei com muita vontade de mandar seu texto para uma orientanda que está interessada em estudar o silêncio usando o teatro. Posso?

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    1. Claro, tia! Blog aberto e liberado geral kkkkk

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  2. Nossa! Eu que estou numa onda de curtir o silêncio, viajei agora.

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(Saber o que o outro pensa, faz diferença...)