Palavrões
Você sabe como é, não é? Há dias em que toda a louça suja, os textos acumulados, as atividades por fazer parecem perder a luta para o barulhinho de chuva caindo lá fora e a vontade de enrolar só mais 5 minutos. Aqueles 5 minutos que se fazem mais 3, mais 2, mais 1 e, enfim, vão beirando a eternidade preguiçosa que nos assola e nos salva de morrer sufocadas nessa tarefa infinita de viver segundo regras que ninguém sabe bem de onde vem.
Pois bem, é em um dia assim que as ideia enviesadas têm mais chance de prosperar. E, se algo é enviesado, já temos motivo para nutrir por ele simpatia. Porque viés é quase subversão. E subversão, do lado de cá do meu espectro político-imaginário, é revolução que come pelas beiradas, evitando queimar a boca na sopa quente do enfrentamento bruto.
Como boa revolucionária-frouxa, opto pelas subversões aparentemente bobas e inconsequentes. Tendo aprendido com a Emília que reformar a natureza é um problema – embora eu nunca tenha aceitado o argumento de melancia não poder dar em árvore porque é grande, quando no meu quintal havia 2 jaqueiras! – aponto minhas armas inventivas para as palavras. Sem querer abrir mão de causar um impacto, sei que preciso escolher algo grande e, enfim, chego ao tema desse rabisco: reinventar palavrões.
De acordo com minha total falta de estudos, os palavrões são uma necessidade linguística de primeira ordem. Sem os xingamentos, a raiva, a indignação e o rancor condensam dentro da gente destruindo nossos glóbulos branco, vermelhos, azuis e lilases. Com eles, o veneno sai pela boca e antes de dissipar no ar tem a chance de ferir um ou dois que merecem (ou não!) ouvir uns desaforos. Em um mundo democrático – nós, as revolucionárias medrosas, defendemos a democracia com nossos ossos frágeis e sempre com uma opção ilusória de que um país mais civilizado nos acolherá se fugirmos - todo desaforo pode ser pago com outro. Acho, inclusive, que assim como há índices internacionais de felicidade, deveria existir também um de desaforo.
Com ou sem índice, uma questão aflige as defensoras dos palavrões. Em geral, eles reforçam preconceitos, servindo para menosprezar aquelas e aqueles que, sendo muitos, são ainda minoria. E, é bem nesse ponto, que convoco a boneca de pano tagarela em mim para mudar por decreto a língua.
Ao invés do versátil “filho(a) da puta”, proponho o já existente “fela gaita”. É mais sonoro e as gaitas não se ofendem, enquanto a expressão mantém sua qualidade afrontosa. Tem ainda o bônus de já ser adaptada a qualquer receptor, uma vez que ‘fela’ é masculino, feminino, trans e bi. Caso você não considere justa a reutilização, pode adotar o “fi dum priquito’ que, sendo universalmente verdadeiro, já vem embutido com uma explicação para crianças ingênuas que podem, simplesmente, ser conduzidas a pensar em divertidos beija-flores.
Sugiro que o “viado” seja substituído por “malamante” que, inspirado no clássico “mal-amanhado”, tem a vantagem de ser gostoso de falar e de somar dois ataques: mal-amante e mala. Ao contrário da questão de gênero, que não é demérito, não ser bom(a) amante é! Imagina aí, um(a) caba que não sabe nem amar que preste... não pode valer o chão que pisa.
O tão útil “vai tomar no cú” é, por óbvio, homofóbico. Encontrar um conjunto de palavras a sua altura em termos de adaptabilidade e capacidade de extravasamento de ódio é difícil. A versão puritana “vai tomar banho” ou “vai plantar batata” é patentemente falha. O atual “vai campinar um lote” tem um pouco mais de vivacidade, embora ainda não alcance os pés do original. Gosto mais do ácido “vai tomar banho na soda” que adiciona uma dose sádica ao comando. Porém, correndo o risco de ser taxada de tolinha, vou advogar e prol do “vai se engasgar com cuspe”. A ideia é remeter nosso desafeto da vez àquela sensação terrível que faz com que a gente tussa por um tempão depois de passado o fato propriamente dito. Diferente do xingamento oficial que condena o prazer de alguns e algumas, esse foca no desagrado físico que, em minha prepotência, acredito ser universal.
Termino essa lista justificando a manutenção de palavrões de muito uso, como: Caralho, Porra e Meus ovos (Meuzóvo). Apesar de reforçarem a associação entre poder e masculinidade, eles podem permanecer, se nós garantirmos que seus pares femininos tenham o mesmo status. Assim, podemos optar, conforme o desejo e a situação, se preferimos usar “Vá para casa do caralho” ou “Rume para residência do priquito”; se diante de uma barbeiragem no trânsito gritamos “Porra!!!” ou “Secreção vaginal!”, ou, em momentos de profunda indignação, se queremos bater a mão na mesa e experimentar o potente: “Ah, meuzovários”.
Esperando não ter causado ofensas a ninguém, deixo minha humilde contribuição ao léxico. Contudo, se você se ressentiu de algo que eu disse, use aí essa oportunidade para testar os novos modelos de injúria. Só não me deixe saber, porque corre o risco d’eu revidar.
Sensacional. "Filho de um priquito". Vou rir até amanhã.
ResponderExcluirPensa num texto pra encher o dia de risada e leveza?! Eu amei! Compartilho mto da opinião q o palavrão é o deslocamento seguro pra uma voadora fatal, o povo escapa e nem sabe... A Jaqueira reforçando o argumento da Emília e as variantes das expressões chulas se complementam de um jeito único. Quem se incomodou com as variações tb pode cagar na latinha e limpar com a tampinha, pq pra morada do cacete não há diabo q carregue.
ResponderExcluirQue bom que vocês gostaram, meninas. A ideia era rir mesmo. É preciso cultivar a leveza.
ExcluirNo mais, vamos ampliando aí o glossário dos palavrões porque vocês são PhD nisso 🤣
ResponderExcluir