A porta


Tocou a porta. Sentiu a madeira na palma grossa de sua mão. Algum passante diria que rezava. Como se tocasse um objeto sagrado. Talvez não errasse em pensar assim. O sagrado era tão banal. Poderia ser uma porta. Uma farpa.

Reclinou-se vagarosamente. O corpo afastando-se da matéria que o separava do interior da casa. Os limites lhe intrigavam. Dava-se conta que tudo em sua vida parecia tratar-se de uma questão de limite. Os que restringiam e os que protegiam. Ambos se confundiam facilmente. Sabia disso bem. Aquela porta representava a fronteira da sua relação. Com ela. Com o mundo. Com tudo que nunca abandonaria, mas que estava deixando para trás.

A racionalização do fim, da necessidade do fim, não impediu a lágrima de se insinuar. Riu quando percebeu que ali se manifestava a borda da própria razão. Quis abrir a porta e partilhar com ela aquela ironia. Não podia. A chave ainda cabia na fechadura, porém não rodava mais. Resolveu jogar a chave pela fresta para dentro da casa. Avaliou se seria prudente tirar o chaveiro. Um “F” vermelho e negro em referência ao Mengão. O time era seu. O presente foi dela. Naquele instante, o “F” era a franja entre sua paixão e a dela. Um “F” de foda-se. De fim. Imaginou que, a devolução do chaveiro poderia magoá-la. “F” de ferida. Desejou maltratá-la com aquela picuinha. Chorou vigorosamente pensando que não tinha mais direito nem a isso. Retirou a chave do elo controlando-se para não soluçar. Apertou-a nas mãos como quem se despedia de um ente querido à beira de ser enterrado. Lançou-a no vão.

Guardou o “F” no bolso. Deu três passos em direção à esquina. Voltou. Não sabia para onde ir. Para onde se vai quando o universo parece ter ruído?  Tirou o “F” do bolso. Arremessou-o no meio da rua. O “F” era força ou fraqueza? Não sabia. Era limitado.


Comentários

  1. Mto bom! "Para onde se vai"...
    Por mais dias com essa inspirada entrega.

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  2. E aí? Quando uma porta se fecha? São tantas possibilidades, a liberdade pode ser bem pesada. Valeu, Ritinha.

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