DENISE CONVIDA: LUCAS ALVES
DIVAGAÇÕES DE MENINO
Meu primeiro vício foi o de ficar sozinho. Isso explica, talvez, minha aversão à lugares com grande concentração de pessoas. Quando criança, lembro que morávamos na última casinha de um povoado minúsculo. Minúscula não era a imaginação daquele menino introvertido, calado, fechado em seu mundo particular. Os cuidados dos avós/pais eram tamanhos que durante muito tempo me privaram do contato com outros garotos da minha idade. A explicação para esse fato escapava de todas as elaborações que porventura tentava realizar. Realmente não conseguia entender o motivo pelo qual eu não poderia brincar com outros iguais a mim. Havia um misto de tristeza e indignação. Encerrado no terreiro da cozinha (que não tinha fim) com meus escassos brinquedos punha-me a pensar sobre essas coisas e vez por outra uma lágrima escorria de meus olhos. Ao perceber que estava chorando, logo fazia por onde animar-me, pois me fora ensinado desde cedo que meninos/homens não deveriam chorar. Mais tarde fui compreender que no contexto em que eu vivia nos forçam a ser “homens” muito cedo, quando na verdade nunca deixamos de ser “meninos”. Apesar desses sentimentos ruins que se apossavam de mim enquanto estava sozinho, confesso que me agradava estar ali unicamente comigo mesmo. É bem verdade que eram muitos os amigos imaginários, vindos de diferentes lugares, de diferentes idades e de distintas profissões. Tinha o senhor de mais ou menos setenta anos que viajava constantemente e às vezes sentava no batente para ensinar-me a girar a “carrapeta” moldada por ele próprio de uma tampinha de detergente. Era esse o amigo mais querido. Creio que por ser a representação do meu avô. Ele não parava em casa porque precisava vender umas lamparinas para que pudesse colocar comida (que era pouquíssima) na mesa. Sempre que saía deixava saudades. Nossas despedidas foram minhas primeiras experiências de ficar com o coração bem apertadinho. No meu rol de amigos tinha também o vendedor de frutas que por me achar divertido e inteligente, deixava umas vinte ou trinta bananas comigo e eu corria para dividir com o pessoal porque todos estávamos com fome. A gente comia banana com farinha, pois minha avó dizia que aquilo enchia a barriga mais depressa. Tinha também o lutador que me defendia de todos os moleques que tentavam fazer alguma travessura comigo. Poderia me alongar um pouco mais falando de todos os meus companheiros nas brincadeiras nos fundos da casa, mas esses eram os três principais e que faziam aquele cotidiano rude ficar um pouco mais leve. Ficava por ali desde a hora que acordava até o chamado para alguma refeição (quando havia). Os brinquedos foram herdados de meus tios (irmãos de minha mãe) pelo fato de não haver dinheiro para comprar novos. Havia cavalinhos de plásticos, carrinhos que não tinham rodas (essa era a graça da coisa). Para mim não era defeito. Em minhas aventuras os carros estavam com problema e meu amigo mecânico iria me ajudar a consertar. Encerradas as aventuras, guardava todo aquele mundo mágico numa caixinha de papelão. Enquanto eu comia, eles dormiam. Segurava a colher no ar e pensava que estariam cansados. Cansado também deveria estar o meu avô que andava quilômetros e quilômetros de bicicleta para conseguir o pouco de comida que tínhamos. Cansada deveria estar a minha avó e minhas tias que passavam o dia inteiro varrendo, lavando roupas na barragem ou cozinhando (cheirando à fumaça) no fogão de lenha. Eu, apesar de tudo, sorria. Tinha a esperança de que tudo aquilo um dia iria mudar.
lucasalvesdesousa01@gmail.com
Lucas, teu texto desperta uma beleza que me aperta o coração. A grandeza da meninice, da imaginação e da força que a vida tem apesar dos muitos pesares.
ResponderExcluirAh, Lucas, q texto sensível e forte! É maravilhoso qdo o belo nos pega pela mão dessa maneira...
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