Estirpe

 Estirpe. Amanheceu com aquele termo na cabeça. “Estirpe” é uma palavra classuda. Refinada, corrigiria com um olhar reprovador sua professora se o ouvisse. Decidiu que a colocaria na tarefa. Certamente, a diferença que precisava para compensar a nota ruim do primeiro teste.  A professora, metida como ela só, haveria de gostar daquela demonstração de cultura. O desafio era enfiar ‘estirpe’ naquele tema. “A magnitude das virtudes” era um tópico ridículo, sem dúvida. Só uma pessoa deslumbrada e besta como D. Matilde para achar que alguém de 16 anos poderia achar estimulante escrever sobre aquilo. A verdade é que nem sabia direito o que era magnitude. Para ele, magnitude era coisa de terremoto. Teve que pesquisa no dicionário on-line o significado. Um saco! Também teria que procurar ‘estirpe’, para ver se conseguiria formar uma frase com um mínimo de coerência. Estava confiante, porém. Já tinha escrito 15 das 30 linhas necessárias. Com D. Matilde, não dava para enrolar colocando receita de miojo. A desgraçada lia tudo. Riscava com a caneta vermelha cada errinho. Na última avaliação, a prova parecia ter sofrido uma hemorragia. Tinha pensando em contestar:  o que ela chamava de erro, era estilo. Mas, não valia a pena. A gente só pode ter estilo quando o texto não vale nota. Logo após o café, sentou-se na frente do computador. Três horas de muitas frases apagadas, até, enfim, conseguir chegar na trigésima linha. Era a hora da estrela brilhar! Terminou a redação com “E, por isso, se alguém quer ser reconhecido por sua estirpe, há de ter uma boa magnitude de virtudes”. Sentiu-se Machado de Assis. Uma semana depois, descobriu que Machado de Assis também ficava de recuperação.

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