Memória vestida é saudade

 


Hoje, pela manhã, lembrei de você, quando peguei o vestido curto, do mesmo tecido de há muitos anos, uma outra estampa e um outro tamanho, claro. Mas sua voz repetia bem no fundo de mim “como você anda por aí assim, tão desprotegida, tão oferecida?” E eu respondendo sorridente “é que eu sou vadia”, muitas gargalhadas, “você não vale nada”.

Hoje, pela manhã, lembrei de você, enquanto tomava o café. “Só um gole”, “ah, não. Faz mais”, “acabou o pó”, “e agora?”, “café ou cerveja mais tarde”, “ninguém devia ter que escolher isso”, e as duas, como loucas, dando risadas.

Hoje, pela manhã, lembrei de você, no carro tocava Chico e cantei junto, bem alto. "Vamos a pé”, “é longe”, “a gente não tem pressa”, “mas eu tô de vestido”, “só você mesmo”. Fomos. As noites eram tão nossas que nada abalava nossa confiança. Tanto samba batucado naquelas mesas descascadas de bar!

Hoje, pela manhã, lembrei de você, enquanto meu vestido se ajustava ao corpo e minha vida se ajustava à infinita segunda-feira que eu nem escolhi. Deu vontade de chorar. Tem café sobrando na garrafa, não precisa voltar a pé, a cerveja está sempre gelada, mas a mesa é de vidro e não aceita batucada. O que fizemos de nós...

Comentários

  1. Que delícia, nossa! Que delícia. O que fizemos de nós?

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  2. Putz, tia... a saudade às vezes (muitas!) nos chega como uma paulada.

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(Saber o que o outro pensa, faz diferença...)