O avesso das coisas

 

 

A força descomunal que usou para puxar o tampão do ralo do tanque foi insuficiente e mostrou-se bem ineficiente. Sentada no chão da área de serviço, depois de atravessar a cólera, destilando os palavrões conhecidos, enfrentava, agora, a sensação de impotência e a vontade absurda de chorar; não sem lampejos de ira e restos de maledicência. O tampão de plástico, além de não sair, estava com a alcinha de pega rompida. Sem nenhuma auto indulgencia, não se perdoou por não ter amarrado umas duas voltas de barbante na diminuta circunferência, truque tão velho quanto andar pra trás. Enfim, o desastre estava em curso: tanque cheio de roupas, água e sabão, sem ter como escoar, sem conseguir pensar de um modo prático; sem conseguir pensar. Sem conseguir, sem...

É claro, bastava passar a roupa para bacia, tentar puxar o tampão com um alicate e tudo resolvido. Isso era o óbvio, nada além disso lhe ocorreria em outro dia, mas não naquele. Naquele, sentada no chão diante do tanque cheio, só queria gritar e chorar como uma criança, pequena e mimada, frustrada.

Depois de um tempo, uns poucos minutos infinitos, respirou fundo e foi atrás do alicate e da bacia. Transfere a roupa, não sem molhar o chão, puxa um pano para secar tudo, mergulha o braço até quase o cotovelo, busca o tampão tateando, alicate em ação... plaft! Era o alicate de corte. Pegou errado e não percebeu. Acabara de cortar a tal alcinha no talo, sem possibilidade de pega. Uma fúria avassaladora fez com que arremessasse o alicate com força, bateu na geladeira e deu uma bela amassada na porta. Oh, inferno! O gato, que se aproximava na hora, deu um pulo no susto, escapou do alicate, mas agora miava com a pata presa em algum lugar que não identificava.

Socorre o gato, que se vingou com um belo arranhão no antebraço. Busca a chave de fenda e continua a saga do tampão emperrado no tanque. A vingança ardeu no primeiro contato com água, enfia a chave com cuidado, empurra com jeito daqui, com força dali, muda o lado, sua, xinga, até que sai. Ah, que vontade de sair dançando pela casa... A água escoando pelo ralo nunca lhe pareceu um espetáculo tão bonito! E o barulho no final... schrulll, que satisfação! Estava eufórica, apesar do chão molhado, o braço arranhado, a geladeira amassada e o gato emburrado.

Enquanto a roupa batia, arrumou a bagunça, guardou as ferramentas, lamentou a porta da geladeira, sem remorso. Começava a sentir um certo alívio, tensão diluída, era só esperar a leveza e, com sorte, um bom tanto de paz. Merecia comemorar.

Colocou a água para ferver, separou o saquinho de chá e uns biscoitinhos amanteigados que tia Dina lhe ensinara a fazer logo que foi morar sozinha. Tia Dina era incrível, uma mulher reservada e muito a frente de todos os tempos. Pensava nela com carinho, embora sentisse certa pena de seu estado avançado de demência precoce, ainda era admirável. Ia com esse pensamento sem rumo quando se deu conta da chaleira, ainda não tinha apitado, estava demorando. O vento apagara o fogo, mas não tinha nenhuma janela aberta, não havia corrente, estranho. Gira o botão para acender a chama e nada, tenta outro, arruma a trempe, nada. O gás! Definitivamente, há dias que só existem revirados. Talvez ela incendiasse a casa, se o gás não tivesse acabado. Há tanta sorte em alguns azares...

 

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