O portal do lixo

 

Rua desce, rua sobe e em cada uma delas a esperança de uma nova vida. Quem sabe naquele saco de lixo encontro o bilhete da sorte que me faça passar por um portal no qual do outro lado tenha uma vida infantil me esperando. Imaginou enquanto remexia mais um saco de lixo de onde saiam larvas. Encontrar reciclável era tão difícil. Onde estão os plásticos fabricados cujo lucro nunca vai para o bolso do trabalhador? Ele faria essa pergunta se fosse instruído, mas ele só consegue pensar: Onde estão os plásticos que carregam o sabão que deixam as roupas da patroa da minha mãe tão cheirosas? Segue sua caminhada lenta e de olhar atento. Um dia nublado é algo para se agradecer aos céus. Os céus me veem? E essa sandália velha, jogada aqui, será que serve? Melhor levar, painho deve saber se presta. Lá vem aquele cachorro de novo. Outro dia quase ele me pega, escapei dele por um fio. Escapei do cachorro, mas levei um tapa na cabeça por que rasguei o lixo do homem do carro grande. Não entendo porque essas pessoas gostam tanto do próprio lixo. Não consigo procurar o reciclável sem rasgar o saco. Queria ter a visão de um super herói pra ver quais sacos eu posso rasgar. Queria entrar, atravessar o saco e sair do lado bom das coisas. Deve haver um lado bom. Deve haver um lugar onde eu possa acordar no feriado e ter um café da manhã me esperando e depois eu possa brincar, assistir tv e fazer nada. Esse lugar deve existir. Segue escarafunchando os sacos de lixo em busca de sua infância, mal sabendo que suas correntes estão nesse chão que ele pisa e que serão inquebrantáveis até que os “cheirosos” se disponham a federem um pouco mais do que suas almas.