Mônica
A folha branca o encarava ameaçadoramente. Era típico! À noite, já de olhos fechados e luzes completamente apagada, tinha começado a “escrever” mentalmente o conto. Recusou-se a levantar, porém. Era preciso dar alguma disciplina àquela inspiração. Claro que, agora, tendo esquecido absolutamente tudo, estava arrependido. A inspiração, pensou, era coisa vingativa. Mulher traída e ciente de sua importância. Infelizmente, sua experiência em pedir perdão às mulheres por suas traições nunca fora bem sucedida. Poderia haver um museu com um acervo amplo dos rancores que deixou pelo caminho ao longo de seus 37 anos. Sorriu imaginando que estaria fodido se sua inspiração fosse rancorosa como Mônica. Sempre lembrava de Mônica com um misto de ressentimento e admiração. Como a Rita de Chico, o fim do relacionamento com ela o emudeceu por um tempo. Não que ele tocasse violão ou fosse talentoso como Chico. Mas, depois do rompimento estrondoso - com direito a pratos voando pela sala e vizinhos batendo na porta – ficou sem escrever uma linha sequer por uns bons seis meses. Ressentia-se tanto da bobagem que levou ao término, quanto da dureza de Mônica que se seguiu. Nunca entendeu como ela pode considerar sério uma piscadinha de olho para aquela loira oxigenada na padaria. Já havia feito isso tantas vezes, com tantas namoradas ao lado, que aquilo nem figurava em sua cartilha como traição. Traição era beijo de língua, sexo, não uma paquerinha inocente. Tentou argumentar isso com Mônica, chegou mesmo a dizer que, se considerasse que isso era uma forma de traição, jamais teria agido assim ao lado dela. Mal terminou de dar essa excelente justificativa e o primeiro prato atravessou como um foguete a sala. Após Mônica, definitivamente, sua cartilha sobre atos de traição fora ampliada. Piscadelas, só às escondidas. O fato é que, seu ressentimento por Mônica era proporcional ao afeto que lhe nutria. Entendeu isso quando teve que assumir para o chefe da editora que descumpria o prazo de entrega da primeira versão de seu terceiro livro. Sem Mônica, o mundo tinha perdido a aura poética. Como se a risada dela, sua cintura fina, seu andar elegante, sua voz forte e doce fossem a moldura do quadro do mundo. Não era só a encaixe perfeito na cama (na mesa, no elevador ...), nem só seu corpo estonteante, era ela. Inteira. Mônica. Suas ideias presentificadas em cada milimétrica ação, sua determinação atravessando palavras e silêncios, sua maneira sagaz de expressar pensamentos complexos com pequenos gestos. Nunca superou Mônica. Apenas, acostumou-se com um universo menos brilhante e excitante. Comeu e namorou muitas mulheres depois dela. Muitas ele traiu somente para ver se reagiriam com tanta firmeza quanto ela. Nunca mais os vizinhos tiveram que bater à sua porta para verificar o que estava acontecendo. Nunca mais um prato tornou-se disco voador. Ninguém era como Mônica! Dar-se conta desse fato, o entristeceu sobremaneira. Sabia que nem sua inspiração, por mais teimosa que fosse, faria o estrago que Mônica fez.
Delícia de texto! Ah, os estragos ao longo da vida...
ResponderExcluirMônica representa tanta coisa na vida que nem o que dizer. Amei o texto.
ResponderExcluirQue bom que vocês curtiram, meninas. Eu confesso que gostei muito da Mônica.
ResponderExcluir