Pluviômetro

 

 

No dia em que começou a chover passarinhos, todos se horrorizaram.

Os bichinhos despencavam das nuvens, não das árvores, caíam mesmo do céu

Como granizo, quebrando janelas, ferindo os descuidados, e só choviam os menores

Pintassilgos, curiós, canários, tizius, sanhaços, beija-flores, saíras

Depois as pessoas se acostumaram, sabiam até o horário e perguntavam:

- Antes ou depois de caírem os penados?

Varriam seus quintais e calçadas, limpavam as calhas a cada três dias.

Depois estiou.

No dia em que começou a chover flores foi um problema maior,

Despetalavam-se, faziam a maior sujeira, ninguém vencia limpar

Margaridas, rosas, lírios, cravos, petúnias, até orquídeas caíam às vezes

Depois, ainda soprava o vento, levava tudo outra vez.

Muito tardaram a se acostumar, viviam à flor da pele e não perguntavam mais nada.

Quando começou a chover música foi um assombro

As notas vinham de enxurrada e embaralhavam-se numa polifonia crônica

Aquilo era uma dodecafonia anárquica, pasmavam e esperavam acabar

Agora, aguardavam a próxima temporada de chuvas enquanto apostavam no que viria

Uns achavam que choveria cores, ou cachorros, talvez até poemas...

Por hora, só a estiagem e a variação da cotação na casa de apostas.

 

Comentários

  1. Tia, amei!! Mas, fiquei imaginando como seria triste ver a de passarinhos esburrachados e problemática a de notas musicais.

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  2. Eu amei demais, fiquei com a mesma angústia da Ritinha, mas sonhando em estar lá no dia da chuva de cores. E me lembrou um filme: Encanto.

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