Encontro

Havia tempo desde que se encontraram pela última vez. Quanto? Era uma questão de difícil precisão. Respondê-la exigiria um consenso sobre qual métrica aplicar. Na contagem das páginas de um calendário, possivelmente teriam corrido uns dez anos. Se a medida fosse vidas e mortes, podia chegar a milênios.

Se esbarraram, a esmo, em meio a um salão repleto de sons de conversas animadas. De início, deram um sorriso tímido e demoraram uns segundos infinitos até passarem a um abraço. Um abraço indeciso se pertencia ao presente ou ao passado. Pendia sobre eles uma dúvida se eram ainda íntimos ou completos estranhos. O que resta de nós depois que entrarmos na máquina do tempo? 

Decidiram – talvez por protocolo social – ir a um local mais calmo. “Vi uma cafeteria na rua de baixo. Parecia ter uns pães e doces gostosos”, comentou ele. Ela pensou em lhe dizer que agora tomava café preto. Desistiu, mas não sem antes reconhecer que esta seria uma informação tão (des)importante quanto qualquer outra. Hoje, entendia que tudo de si era um fluir aleatório de coisas que ela hierarquizava e maquiava ora de um jeito, ora de outro. Seguiram até o local ainda como se pisassem em terreno desconhecido. E, quem poderia dizer, que não pisavam?

Escolheram uma mesa redonda em um cantinho reservado. Duas cadeiras frente-a-frente. Ele percebeu-a envelhecida. Uma velhice que se alojava nos olhos, comendo seu brilho. Quis perguntar o que aconteceu. Por segurança, preferiu manter a conversa em torno das amenidades. Ela também estudava sua postura. O corpo tinha mudado pouco ou, ao menos, mudado em consonância com sua imaginação de como ele deveria ser nesta idade. Via-o, porém, mais curvado, como se pesassem em suas costas muitos silêncios. Sempre fora um homem em que as palavras serviam para esconder os ditos insuportáveis. Tinham isso em comum. Aparentemente, continuavam tendo.

Quando a comida chegou, eles ainda dançavam bem distanciados. Medindo os passos com medo de avançar demais e assustar o parceiro. Depois dele perguntar sobre o filho, ela engatou um “e, você, tem quantos já?”. Ele riu, acatando a aceleração da dança e a aproximação de seus corpos (aparentemente estáticos nas cadeiras de vime). Contou da esposa e da filha de 5 anos. Ela recebeu as novidades – obviamente, não novas em si mesmas – sem sobressalto, embora sentisse a boca amargar um pouco. 

Depois disto, cruzaram de vez a barreira das sutilezas dos costumes, falaram como se o tempo pudesse ser alinhado e submetido ao chicote da memória. Riram abertamente e umedeceram os olhos juntos em certos momentos
. Saíram do café quando o frio e a noite já haviam recoberto tudo. Caminharam lado-a-lado na calçada até seu ponto de abrigo temporário. Abraçaram-se como se os milênios não houvessem os separado. Ele beijou-a com vagar na testa. Ela segurou seu rosto entre as mãos. Encararam-se fazendo colidir no presente, o passado e o futuro.


Comentários

  1. Anônimo18/9/22

    Eu acabei de dizer adeus e como é complicado colidir passado, presente e futuro...

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    1. As colisões nunca deixam as coisas intactas, né?

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  2. Anônimo19/9/22

    Desses encontros que são como encontrar com a gente de novo, lindo e revolucionário... Adorei!

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    1. É isso, um pedaço da gente que fica pendendo no tempo que resiste ao relógio.

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(Saber o que o outro pensa, faz diferença...)