Receita


(Porque não tem o mesmo gosto, seguimos tentando)

Há que se torrar o amendoim e tirar a pele, a essa altura soltando quase, enquanto o milho, que dormiu n’água, a amarela é um pouco mais dura que a branca, mas é mais gostosa, cozinha na panela de pressão.

–O chiado enche a casa antes do cheiro do amendoim torrado, mas isso ela não contou, eu que sei. Também não ensinou a despelar, só fazia, esfregando pequenas porções entre as mãos, como se as lavasse, e eu olhava. Do mesmo jeito que olhava ele subindo na peneira de palha enquanto ela soprava e a pele voava no quintal–

(Deve ser porque não tenho uma peneira de palha)

Escorre a água, deixa acabar de chegar no leite, com leite condensado e um pouco de sal. Prova, mas só acerta o tempero depois que subir fervura. Coloca o amendoim moído grosso, bem quebrado e uns inteiros. Fogo baixo pra apurar e uma mexida de quando em vez. Prova. Espera esfriar um pouco pra despejar.

–Eu ficava com a rapa do amendoim no moedor, desmontava, comia com o dedo, um gosto de metal vinha junto no fim. Sentada na escada, eu achava aquilo a coisa mais gostosa do mundo. Tudo entrava em suspensão pra eu apreciar sem pressa, até alguma tristeza ou inesperada alegria–

(Talvez o moedor faça diferença)

Ela quente é mais gostosa... É. Tem gente que põe coco, canela, eu não. Nem eu. Pode por se quiser. Não quero, gosto assim. Eu também.

–A tarde cheira saudade. Não tem mais casa, nem escada ou quintal. Não tem peneira, nem moedor. Tem sua voz, que dá receita sem medida, um tanto é um tanto, uai! Ensina fazendo, assim ó. E já não faz, quase nem lembra, quase nem vejo, mas permanece–

(Porque os caminhos são só de ida e toda volta é memória, a perder-se)

 

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(Saber o que o outro pensa, faz diferença...)