Missivo
Não qualquer carta, pra qualquer pessoa, não. Cartas são intimidades compartilhadas de modo único, eu diria aliás, a maior intimidade possível.
Sinto falta das cartas. Falar sobre a frustração com a chuva contínua e o quanto isso me incita a escrever (e o quanto isso me irrita). Do meu chá que reflete a janela e não substitui o café, tampouco a vontade de um vinho lento em hora descabida, só pra deixar o coração e o corpo leves. Sinto falta de falar do peso do meu coração, dos passarinhos quem veem toda manhã, da indignação com o absurdo. Contar o banal como se fora inusitado —vai ver é mesmo. Falar de música, poesia, trocar versos, referências.
Cartas são confissões inconfessas: se ninguém lê, não foram feitas.
Carta tem tempo próprio, jeito peculiar, ritual de escrita e leitura.
Algumas saudades me abalam e desconcertam, saudades sem solução. Queria falar como é difícil encarar a impossibilidade de futuro, como sinto falta de andar entre as estantes da biblioteca, como tenho rido menos e, por tanto, aprendi a garimpar as risadas.
Leio um livro que me bagunça e escrevo outro que me desafia. Vontade de falar do tesão da escrita sem o receio de parecer presunçosa. Vontade de saber aquilo que não se diz em voz alta, o medo que a gente esconde, a besteira que acho importante.
O tempo acelerado, a vida corrida, os compromissos, tudo são desculpas. Tudo é bobagem. Três linhas, duas páginas, não importa. Que não cheguem mais pelos Correios, não venham em envelope colorido com letra própria, não importa.
Estou cansada. Sinto uma falta absurda de praia, desejo de mar. Entro nas cachoeiras geladas, mas não adianta. Estou envelhecendo rápido e não sei se desisti das europas, talvez sim, mas custa-me admitir.
Estou muito cansada. Durmo menos horas, evito discussões e cozinho sem pressa, enquanto espero as cartas, que já não escrevo mais.
É, tia, o silêncio das cartas também me "pega". Às vezes, o silêncio é uma forma de doer. Voltemos às nossas missivas...
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