No intervalo do semáforo
Brincavam os homens, três, na diminuta praça
— um canteiro, sendo exata.
As barrigas cheias de fome, um vazio enorme e indecente,
As cabeças enevoadas com alguma fumaça, longe e alheios
Os corpos feios, sujos, fedidos e ágeis.
Um arremessava a bola
— igualmente rota e deformada
Outro defendia o arremesso
— qual um goleiro hábil numa trave real
E o terceiro pedia nos vidros fechados dos carros
— no intervalo do semáforo
Revezavam-se nas posições e riam
Era mais fácil rir àquela hora
Era possível se divertir à luz do dia.
Brincavam, os três homens,
Gargalhavam com a falta de dentes exposta,
com o oco da fome,
com uma sede infinita.
Àquela hora era possível.
À noite, não,
À noite os bichos saem dos bueiros,
dos carros escuros,
de dentro da gente.
À noite brigariam pelo papelão,
pelo lugar, pela cachaça.
À noite é mais fácil sangrar.
Por agora riam,
mas era triste.
Que texto dolorido! A arte contorna de beleza até as coisas mais terríveis.
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