A Floresta

 




Atrás da casa do menino havia uma floresta. Floresta não é como quintal. O quintal é uma prisão de ordem e cuidado com seus jarros e podas regulares. O menino fugia para floresta, saboreando um encantamento com a simplicidade que recobre o excesso que é a natureza. Na floresta, o menino fazia-se homem-bicho. Olhos atentos, ouvidos astutos, pernas sempre prontas para correr ao menor sinal de perigo. Como bicho sua sensibilidade aumentava, intuía o significado dos ruídos emitidos por seus irmãos animais, decifrava com a pele grossa dos pés a comunicação silenciosa das plantas. Sua humanidade fundia-se com o caos da mata, não era possível estabelecer limites rígidos entre ele e o sem-fim de matéria viva e inorgânica que o rodeava. Ou que não o circundava, posto que as fronteiras físicas se tornavam questionáveis. 

Em um dia como outro qualquer, a floresta amanheceu em guerra com as labaredas altas nascidas sabe-deus-de-onde. As pupilas do menino acenderam, coradas do alaranjado ardente do que via pela pequena janela do seu quarto. Impulsivamente, fez o caminho contrário dos irmãos-bichos e rumou de peito aberto e coração desesperado em direção à mata. Não levava balde, água, extintor, nada. Apenas corria como quem ansiava por um abraço final em um amor em seu último suspiro no leito de morte. O corpo parou sem seu comando quando a proximidade das chamas se traduziu em um calor tão intenso que pareciam já tê-lo engolido, apesar dos metros que ainda as separavam de si. 

Quis chorar. Espernear. Rezar por um milagre. Praguejar. Mas, nada fez, além de contemplar o espetáculo trágico envolvido na nuvem de fumaça que o alcançara. Àquela distância, sua pele já captava a sinfonia que mesclava os gritos mudos da vida caótica que perecia e o crepitar do fogo. Uma orquestra disforme e atormentada que retorcia tudo que tocava. 

Na eternidade em que esteve ali, diante daquela apresentação doentia e bela, o menino aprendeu a língua ígnea. Entendeu que o fogo era também parte da natureza. O que ele presenciava não era uma invasão, mas uma guerra intestina de seres gêmeos, gerados de uma mesma mãe ilógica e magnífica. Ela, a grande mãe, reinava em tudo, na vida, na não-vida e na morte. Tudo lhe afirmava. Até a negação possuía sua marca. Nada lhe escapava. E, ele teria nela se dissolvido se não houvessem puxado seu corpo magro e desmaiado do chão quente.

Atrás da casa do menino havia uma floresta. E, uma floresta não é como um quintal. Quando um menino foge para uma floresta, a floresta lhe ensina que não há escapatória da vida, da não-vida e da morte.


Comentários

  1. Anônimo10/7/23

    Sim, tia, uma floresta não é como um quintal... E que mágico!

    ResponderExcluir

Postar um comentário

(Saber o que o outro pensa, faz diferença...)