Inverno

 


Fiz 47 anos num domingo.

Domingos são dias longos, as presenças se esticam e, sobretudo, as ausências. Domingos são dias sem escape, sem saída, de larga preguiça e pouca intensidade; quase sempre. Fiz o que pude: comemorei moderadamente a chegada da idade ímpar, das minhas preferidas, e deixei um hiato para a expectativa da ligação, que eu já sabia, não chegaria, pela primeira vez.

Os dias de inverno são mais curtos, porém os domingos são compridos. Estendem-se pelas saudades, pelos pensamentos, por certa melancolia, parece. Vives, já sem desejo, sem ti, sem nada. Vives porque respiras. Existes sem ganas.

“Quase meio século”, penso. Quase um século, constato. Há um certo espanto nessa perspectiva, um tipo de horror e encantamento, um gosto de liberdade e fim. Desconfio que não chegaremos as celebrações das idades redondas.

Ausente da vida, respiras.

Assim como não veio, a ligação, também não foi. E houve desamparo e estranhamento. Uma certa incompletude. Como agora, por exemplo, quando a sombra bruxuleante da piscina vizinha dança no teto, as vozes de crianças brincando num balanço e os gritos do guardador de carros invadem meu silêncio, e a luz que tudo ocupou se movimenta lentamente, mas eu não vou te contar. E todas as mínimas coisas que não vais mais saber primeiro, há 47 anos, se amontoam por agora, diminuem, e perdem um tanto da graça sem te falar...

O inverno segue árido, azul e com o vento bagunçando tudo, inclusive você em mim.

Comentários

  1. Eita, tia... Deu um nó no estômago aqui

    ResponderExcluir
  2. Anônimo26/7/23

    Choro, porque sinto o mesmo, leio as palavras que dizem de mim.

    ResponderExcluir

Postar um comentário

(Saber o que o outro pensa, faz diferença...)