Pó

O que há de novo? Possivelmente, nada. Nada é verdadeiramente novo sob o sol. Nem o que o sol não alcança é novo também. Capaz que seja até mais velho. Um universo inteiro de velharias. Um universo empoeirado, dando voltas sobre si. Há quem diga, com certo tom poético e, eventualmente, moralista que somos ‘poeira das estrelas’. Ser pó é ser resto. Ser de fácil dispersão. Ser símbolo de um passado mais inteiriço. Um passado idealizado, mítico. Há certa graça em ser pó que carrega a imensidão e o fardo de possuir consciência. Um pó que cria. Pó de pirlimpimpim. Eu, em minha pó-infância, sonhava magias, assombrava-me com os monstros da tevê e com as histórias de fantasma. Ainda sonho e me assombro. Evito filmes de terror. Tenho uma fascinação temerosa por narrações fantasmagóricas realistas. Essa semana, meu marido viu um cachorro-espírito acompanhando dois homens na rua. Não tive medo. Achei bonito. Quis imaginar que meus cães nunca me deixariam. Os cachorros me ensinaram que a vida se sobrepõe à morte não por evitá-la, mas pela intensidade de sua fugacidade. Quando a poeira que compõe o que reconhecemos como vida retorna ao ponto fragmentário de pó, ficam os contornos que a poeira-vida desenhou. Mesmo quando se apagam os contornos, pelo vento ou pela desmemória, resta uma sensação, uma impregnação do pó dos outros em nós. De fato, nem é preciso morrer, vamos deixando nosso rastro empoeirado pelos cantos. Há quem nos deixe com alergia, é verdade. Gente-pó que irrita a garganta, o juízo, a existência. Há quem nos toque como como se fosse incenso, perfumando o ambiente. Novidade, universo, estrelas, cachorros, pessoas, vida, morte, sonhos, medos e delírios, tudo é pó, diz meu pensamento-poeira voando em sua falsificada inteireza para outras paragens...