Pequeno dicionário sentimental
Começo algo controlada. Engulo palavras quilométricas. Solto umas primeiras reações, supostamente, sob o domínio da razão. Perco-a rapidamente. Uma avalanche de ideias que correm a ocupar a língua. Digo o que não sei que penso, o que sinto. Eventualmente, barro a tempo maldades puras, feitas pelo mero desejo de ferir. Deixo o ódio me escalar. O monstro que também sou aparece sem pudores. Alimento-o. Justifico seus/meus caprichos. Ensurdeço pelo barulho de minha própria explosão. Demoro a aquietar o fogo devorador e impiedoso que me habita algum porão.
Remorso
O monstro vermelho e quente da raiva se despede como quem desfila, mas, mal recolhe sua cauda longa e seu sucessor habitual dá as caras. Ele que tem orelhas murchas e ideias moderadas. Ele que conhece o peso dos mal-ditos que são muito bem-ditos. Ele que reconhece que a raiva tem suas razões, mas pondera, pesarosamente: “não precisava de tanto”. Cinza, chega sempre acompanhado de um aperto no peito e de uma cabeça deveras miúda para tanta pressão. Sua fala mansa nada tem de suave. Repete-se/me indefinidamente, como um disco arranhado a gerar ruídos medonhos e medrosos. Com sorte, seus/meus sons insuportáveis reverberam em tons ligeiramente diferentes e encontram uma saída ‘honrosa’ para lidar com a devastação que criamos – ou achamos ter criado! Originalmente, o remorso não é afeito à desculpa. Não há desculpas, quando quem fala somos nós, ou, ao menos, parte de nós. O remorso sonha com mundos sem passado, com borrachas de tempo e perfeições comedidas. O sonho do remorso é a anulação de si, de mim, de nós.
Alegria
Menina-moleca-sapeca desligada e, muitas vezes, inconsequente. Colorida de mil cores, monta arco-íris e faz piada propondo levezas impossíveis. Quando ela está, o mundo brilha. Desajeitos viram possibilidade de criação. Idiotas se tornam bobos demais para terem relevância. Alojada em meus olhos e sorriso – ora discreto, ora nem tanto – ela me dança, faz de minha pele música a conversar miolo-de-pote com passarinhos.
Amor
Desconheço-o. Não porque não o sinta, mas porque ele nunca se revela mundano. Parece sempre encoberto de seriedades e infinitudes inalcançáveis. Desconfio que não sou boa o suficiente para amar, ainda que me sinta amada. Ou - quase o mesmo? – tomou-o por uma palavra inventada para dar conta do que escapa, do que se apresenta intensa, mas fugazmente em cada um, vez por outra. Racionalizo-o como invenção na tentativa de imaginar-me menos egoísta. Grudo sua cor pastel, angelical e combinante com tudo em pessoas, bichos e coisas. A cola é defeituosa, não se dá bem com a superfície dura da realidade. Volto a pregar. Talvez o amor seja esse esforço de inventar e colar o que não existe no que existe. Me parece uma justificava fajuta, mas é o que me resta.
E nessa montanha russa, vivemos. Tomara q esse dicionário vá se completando...
ResponderExcluirO desejo inicial é de ampliar o dicionário, vemos se a montanha russa da vida ajuda.
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