Em matéria de amor
Aprendera, com o exemplo do professor, na aula de português: amor é substantivo. Aceitou, como, normalmente, fazem os alunos nas aulas. Depois deu de pensar. Achou que era justo que amor fosse substantivo, afinal, como nos demais substantivos, o amor se dispunha a receber muitos adjetivos. Mais do que isso, o amor subsistia; aguentava o peso de tantas coisas que inventavam de fazer-lhe carregar. Como um bom substantivo, resistia, mesmo quando parecia soterrado de penduricalhos inúteis, dando-lhes uma conexão.
Continuou perdido nos pensamentos e convenceu-se que o amor também deveria ser objeto de estudo da matemática. Abstrato como ele eram os números, ora pares, ora ímpares; ora reais, ora irreais. Distanciado da vida concreta, o amor, assim como os elementos matemáticos, servia para dar ar de seriedade às imaginações mais absurdas e, fiadas nessa seriedade fantasmagórica, as pessoas construíam e reconstruíam o cotidiano, tomando por exato o que nunca poderia sê-lo.
Ainda na matemática, devia-se falar do amor em termos de teoria dos conjuntos. Das fronteiras que reúnem elementos distintos e, só por circundá-los, fazem deles um todo. Fronteiras circulares, sem começo ou fim definidos, mas capazes de interagir com outras, criar intersecções que, ao tempo em que incluem, demarcam infinitas exclusões. Sem esquecer-se, claro, dos conjuntos vazios, nos quais as fronteiras se fecham alheias a tudo, resguardando cautelosamente dentro de si o nada.
Por caber na matemática, aconchega-se bem na física. Lamentou saber apenas rudimentar e fragmentariamente de física quântica, com uma certeza intuitiva de que esta, com suas formas lógicas de falar e explicar como algo é e não é simultaneamente, talvez fosse o campo no qual a ciência, envergonhada demais para encarrar seu desejo de conhecer o que, de fato, movia o universo e (des)explicava suas leis, transformou-o em fórmulas e teorias complexas.
Seguiu ainda nesse exercício de perceber o amor como objeto das matérias que via na escola, nos livros didáticos em sua estante, nas opções de carreira alardeadas nos outdoors ... Concluiu, com um sorriso de canto de lábio, que ainda que coubesse em todas as disciplinas, o amor permanecia indisciplinado.
Ufa, q sorte a nossa!
ResponderExcluirFiquei pensando em como a gente se esforça pra entender categoricamente aquilo que, por si, não se submete a nenhuma circunscrição...
Pois é, a tal da racionalidade é uma benção e uma maldição
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