Quase uma indecência

 


Compadeço-me dos livros afogados.

Cada dia atordoa-me um detalhe, o todo é insalubre e invisível, mas as minúcias, não.  As minúcias são grandes demais, uma enormidade desconhecida, subestimada.

Penso, por exemplo, nas fotos perdidas ­—que são pura memória consumida. Imagino daqui há muitos anos quando sentados numa varanda, num fim de tarde comum, alguém afirmar “parece com o pai, de pequeno” e não houver o registro de nenhum pai pequeno... Ou a angústia entrincheirada na pergunta perdida, “mas como era o rosto dela?”

Capa, miolo, orelha, colofão. Um ou outro autografado. Uns tantos assinados, datados, com toda uma história de como chegou, a quem pertenceu, o que se marcou.

As narrativas podem sobreviver, algumas.

Mas os livros afogados, não, nenhum.

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