Muito delicadamente

 


O funcionamento da velha geladeira habita o silencio da manhã

As últimas gotas de café pingam do coador em intervalos cada vez mais longos,

até cessarem

Esbarro o braço no armário aberto

E não há nenhuma poesia nisso

Só eu

e meu turbilhão

e minha cabeça barulhenta

e minha desconcertante agitação,

na tranquilidade da manhã recente.

Em goles demorados, tomo o café

Penso no verso do João Cabral e a enormidade da minha solidão se revela,

não é possível tecer a manhã.

Sirvo, pois, um café ao poeta e resigno-me.

Com o flanco exposto

encaro o horror,

escancaro o feio

e, muito delicadamente, diz-me

“Não é lá fora o dia
Que me deixa assim,

(...)

É a dor das coisas,
O luto desta mesa;

Quando não, tecemos uma manhã azul-poesia.

Comentários

  1. Anônimo11/12/24

    Tia, vez por outra penso que a poesia também (sempre?) nasce desse antipoético da vida que recusamos a acatar em definitivo. Há manhãs azuis, há manhãs que ficam por tecer...

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