Pensamentos (des)pretensiosos

 


Abro a folha em branco. O trabalho sentado ao meu lado me espreita como se perguntasse até quando conseguirei ignorá-lo. Não consigo ignorar, mas me esforço. O tempo é meu, do meu silêncio, cheio de palavras que não sei quais são, à espera de uma folha. Não faço ideia do que escrever, mas desejo. Desejo ver o que virá, descobrir que eu se posta aqui frente a esta tela. Penso que é um eu que foge. Um eu que evita as notícias de um mundo imperfeito e com promessas de mais imperfeições. Um mundo humano que parece não se cansar de caminhar na contramão da felicidade. Talvez, até o próprio conceito de felicidade seja uma armadilha da infelicidade, uma forma de prisão que nós inventamos para brincar que somos seres ‘mais do que naturais’. Serão os bichos felizes? Minha cadela ao ganhar suas guloseimas ficará ‘feliz’? Suspeito que não. Cogito que ela vive o que nomeamos como felicidade em uma plenitude tal que não requer conceitos. A felicidade, no final das contas, não é só mais um conceito? Um constructo mental que guia e dá parâmetro às experiências? Para ser feliz, como humanos, não é condição sine qua non se reconhecer como tal a partir de um julgamento, ainda que básico e falho? A felicidade é, pois, um produto inventado. Um rótulo que colamos ou descolamos em situações, lugares, pessoas, vidas... Por certo, se isso for assim, a tristeza também é invenção e rótulo, um nome em meio à profusão de nomes que temos para contornar a vida. Neste sentido, viver é natureza pura, tempo puro, ação pura. Viver é! E todo completo depois deste ‘é’ é nome vazio de realidade última. Se há lógica nessas linhas tortas, a tão falada ‘essência humana’ é justamente essa criação de algo além da vida. Fazemo-nos humanos porque percebemos que viver é pouco (ou muito!) e que podemos revirar a vida se a ela adicionarmos o vazio. É surpreendente, então, que seja do vazio que tudo fazemos. Eis o deus cristão da criação. E no começo era o verbo. E no fim também será. 

Comentários

  1. Anônimo8/1/25

    Penso que seja uma nomeação, não sei se invenção, aquilo que identifico e nomeio (e por isso é mutável, variável, passível de transformação e reconfiguração). Foi, é e será o Verbo mesmo.

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  2. Anônimo8/1/25

    Os nomes não são invenções?

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    1. Anônimo8/1/25

      Sim, criados quase junto com Macondo, qdo para se dizer algo apontava-se com a mão pq ainda não tinham nome rsrs

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(Saber o que o outro pensa, faz diferença...)